A Dinamarca avançou com uma proposta que pode — e deve — marcar um ponto de viragem na forma como as sociedades modernas se relacionam com as redes sociais: proibir o acesso a plataformas digitais a menores de 15 anos. A motivação da primeira-ministra Mette Frederiksen é clara e difícil de contestar: os ecrãs estão a roubar a infância às crianças. As evidências acumulam-se, os efeitos são visíveis e os números falam por si — crianças com dificuldades de leitura, de concentração, em isolamento social e a sofrer de ansiedade e depressão. Um cenário alarmante, já perfeitamente identificável também no nosso país.
Contudo, importa alargar o foco. Não são apenas os mais jovens que estão a viver consequências devastadoras desta exposição constante e desenfreada ao digital. Há um fenómeno paralelo que urge nomear com clareza: a senilidade digital.
Basta observar o comportamento de muitos adultos — alguns já com idade para exercer maior prudência — que, nas redes sociais, agem de forma imprudente, irresponsável e, em casos não raros, perturbada. Circulam livremente nos feeds insultos, calúnias, informações deliberadamente falsas e ódio destilado por indivíduos que, ou se apresentam descaradamente de rosto descoberto, ou se escondem cobardemente atrás de perfis falsos. Dizem o que não teriam coragem de afirmar pessoalmente, escudando-se na distância do ecrã e na impunidade do anonimato.
Esta realidade não pode continuar a ser ignorada. Se se reconhece que menores não têm ainda a maturidade necessária para utilizar certas ferramentas digitais, o mesmo princípio deve aplicar-se, com igual seriedade, a adultos que demonstram não ter condições psicológicas, emocionais ou éticas para o fazer. A liberdade de expressão é um direito fundamental — mas como qualquer liberdade, exige responsabilidade. E, tal como as crianças devem ser protegidas, a comunidade também deve ser protegida daqueles que abusam do espaço público digital para desinformar, agredir ou destabilizar.
Em Portugal, há medidas que se vão tomando timidamente, como a proibição de telemóveis nas escolas. Mas é pouco. O problema é mais vasto e exige coragem política e visão social. A proposta dinamarquesa é um passo no bom sentido, e vários países estão a seguir o exemplo — a Noruega, a Austrália, a França ou a Grécia. Por cá, deveríamos ter a mesma lucidez e ousadia.
A saúde digital da nossa sociedade está comprometida. E enquanto continuarmos a tratar o espaço virtual como um território sem lei, estaremos a falhar às gerações futuras — e a negligenciar os sinais claros de perturbação em muitas das gerações presentes.
É tempo de agir. A infância, a saúde mental, e o bem comum assim o exigem.
Fernando Jesus Pires
Jornalista- Diretor do ORegiões