O Presidente de Madagáscar, Andry Rajoelina, abandonou o país no domingo a bordo de um avião militar francês, em circunstâncias que apontam para uma tentativa diplomática de evitar um agravamento da crise política que assola o país africano. A saída ocorreu com o possível envolvimento do Presidente francês, Emmanuel Macron, que terá facilitado um acordo de evacuação para garantir uma transição pacífica, segundo avançou a Radio France Internationale (RFI) esta segunda-feira.
De acordo com a mesma fonte, Rajoelina viajou primeiro para a ilha de Santa Maria, situada ao largo da costa leste de Madagáscar, antes de embarcar num avião militar francês com destino à Ilha da Reunião. A RFI refere ainda que o chefe de Estado e a sua família seguiram posteriormente para um destino desconhecido, sendo o Dubai apontado como provável local de exílio.
A fuga do Presidente acontece numa altura de forte instabilidade no país, marcada por protestos massivos e por um alegado golpe de Estado em curso. No domingo, a Presidência malgaxe denunciou uma tentativa de derrube do poder, na sequência do apoio de várias unidades militares às manifestações contra o regime, em particular o Corpo de Administração de Pessoal e Serviços do Exército Terrestre (CAPSAT), que afirmou ter assumido o controlo das Forças Armadas.
Este mesmo corpo militar, sediado em Soanierana, nos arredores da capital Antananarivo, já desempenhara um papel central no golpe de Estado de 2009, que derrubou o então Presidente Marc Ravalomanana e permitiu a ascensão de Rajoelina ao poder. Agora, em 2025, o mesmo padrão parece repetir-se, com os militares a recusarem ordens para reprimir a população e a declararem fidelidade às reivindicações populares.
As manifestações, iniciadas a 25 de setembro, surgiram como resposta aos persistentes cortes de água e eletricidade, mas rapidamente assumiram contornos políticos.
Impulsionadas pelo movimento ‘Gen Z’, composto por jovens nascidos entre 1997 e 2012, as mobilizações transformaram-se num grito de revolta contra o Governo e exigiram a saída imediata de Rajoelina. A proposta presidencial de um diálogo nacional foi rejeitada pelos organizadores dos protestos.
A onda de contestação é considerada a maior que a ilha do Oceano Índico viveu nos últimos anos e representa o mais sério desafio à liderança de Rajoelina desde a sua reeleição em 2023. A repressão violenta das manifestações resultou, segundo um balanço da ONU datado de 29 de setembro, em pelo menos 22 mortos e cerca de 100 feridos. O Presidente contestou estes números, afirmando que apenas 12 pessoas perderam a vida, todas elas envolvidas em saques e atos de vandalismo.
No entanto, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, responsabilizou as forças de segurança por parte das mortes, sublinhando que entre as vítimas se contam manifestantes e civis atingidos durante a repressão. Em comunicado, apelou às autoridades malgaxes para cessarem o uso desproporcionado da força. Também o secretário-geral da ONU, António Guterres, exigiu o respeito pelos direitos humanos durante os protestos.
Apesar das riquezas naturais de Madagáscar, o país continua a figurar entre os mais pobres do mundo, com cerca de 75% da população a viver abaixo do limiar da pobreza, segundo dados do Banco Mundial de 2022.
A ausência de Rajoelina e o silêncio das autoridades francesas perante as perguntas da imprensa internacional geram agora especulações sobre o futuro político do país e o eventual reconhecimento internacional de uma nova liderança, caso o golpe militar se concretize.