Em democracia, o respeito pela diversidade cultural e religiosa é essencial. Mas há momentos em que esse respeito não pode ser confundido com passividade, nem usado como desculpa para tolerar práticas que colidem com os direitos fundamentais. A burca, enquanto peça de vestuário que oculta por completo o rosto da mulher, é um desses casos.
O Parlamento português aprovou na generalidade, esta semana, uma proposta de lei que pretende proibir a ocultação do rosto em espaços públicos – com exceções previstas. O foco está, sobretudo, na burca e noutras vestes associadas a práticas extremistas de interpretação religiosa. A proposta, apresentada pelo Chega, foi apoiada por PSD, IL e CDS-PP. A esquerda, por sua vez, rejeitou-a, criticando o que considera ser uma tentativa de estigmatização da comunidade muçulmana.
É aqui que precisamos de parar e refletir. O debate não deve ser desviado com acusações de racismo ou islamofobia. Não se trata de atacar uma religião. Trata-se de proteger mulheres que vivem em Portugal e que, por razões culturais ou pressão familiar, são obrigadas a esconder o rosto para poderem sair à rua – ou, pior ainda, acabam proibidas de sair, caso não o façam.
A burca não representa uma escolha livre na maioria dos casos. Representa submissão. Uma mulher que não pode mostrar o rosto em público, que vive na sombra da identidade do marido ou da autoridade do clérigo, não é livre. E é dever de qualquer Estado democrático recusar-se a compactuar com essa forma de opressão.
Por outro lado, há a questão da segurança. Viver em sociedade implica um mínimo de transparência e identificação. Um país que não permite que se entre de gorro ocultando o rosto numa repartição pública, ou que exige identificação em serviços básicos, não pode fechar os olhos à realidade de que uma veste que oculta por completo a pessoa pode ser usada para fins criminosos – seja terrorismo, seja assalto.
A proposta de lei em causa tem falhas e deverá ser revista com o rigor que o Estado de Direito exige. Mas o seu princípio é legítimo. A esquerda insiste em relativizar, apelando ao diálogo e ao respeito pelas culturas. Mas há uma diferença entre cultura e imposição. Entre diversidade e opressão. E Portugal não pode hesitar quando está em causa a dignidade de qualquer mulher – seja portuguesa ou estrangeira, cristã ou muçulmana.
Recusar a burca em espaços públicos não é uma declaração de guerra cultural. É uma afirmação de princípios. Quem escolhe viver em Portugal deve respeitar os valores fundamentais do país, tal como os portugueses respeitam os de outros países quando para lá emigram. A igualdade entre homens e mulheres, a liberdade de expressão e a segurança pública não são negociáveis.
Nenhuma sociedade que se pretende livre pode aceitar, em nome da tolerância, práticas que perpetuam a submissão e o silenciamento das mulheres. Há um tempo para o diálogo. E há um tempo para legislar com clareza.
Fernando Jesus Pires
Jornalista, Diretor do Jornal ORegiões