Terça-feira,Outubro 21, 2025
16.7 C
Castelo Branco

- Publicidade -

O Éden Informativo do Óbvio Ululante

Este ano, em Outubro, prepare-se para a maior revolução na informação televisiva que alguma vez existiu, uma convulsão tecnológica e editorial tão profunda que fará a invenção da roda parecer um mero acidente de percurso numa estrada de terra batida.

Sem garra, sem novidade, sem brilho, sem imaginação, ei que surge a… (tambores a rufar, preferivelmente de surdos): RTPNotícias Tracinho, um canal tão novo, tão virgem de conceito, que vê-lo é um acto de pedofilia informativa, um crime contra a inocência da própria noção de novidade. Estamos perante um ‘produto’ que nasce já com a sabedoria ancestral de quem leu o obituário próprio no jornal do dia anterior, um feito que nem o grande filósofo Prudêncio da Veiga, autor do clássico ‘A Estética do Tédio’, conseguiu antever na sua monumental obra.

Na RTPNotícias Tracinho pode ver as mesmas caras de antes com o mesmo ar de funcionário público quase na reforma. Uma colecção de rostos que parecem ter sido embalsamados com uma solução de chá frio e desilusão, protagonizando extraordinários noticiários que informam apenas metade do que os camaradas da Antena 1 fizeram, e bem melhor, há duas horas.

É a glória do ‘já visto’, a quinta-essência do ‘déjà-vu’ administrativo, onde a notícia chega tão tarde que mais parece um arrependimento, um ‘post-scriptum’ da realidade corrigido e expurgado de qualquer vestígio de emoção ou perigo. Cada emissão é um ‘happening’ de normalidade, um festival do previsível que faria um relógio de cuco parecer um artista de ‘performance’ anárquica e imprevisível.

A Dialéctica dos Jarretas e das Imberbes

Oiça a opinião descomprometida da ala Direita da sociedade, enquanto os jarretas idosos combatem jovens belas e imberbes em debates que só a RTPNotícias Tracinho transmite, uma coreografia dialéctica onde os argumentos são como flores de plástico: coloridos, inodoros e incapazes de gerar qualquer fruto. É o ‘agon’ platónico reduzido a uma discussão de condomínio sobre a cor a pintar o muro que separa o recreio da senilidade. Um espectáculo de ‘wrestling’ verbal onde ninguém se magoa, mas todos perdem, especialmente o telespectador, que fica com a nítida sensação de ter perdido dois-pontos de QI por cada minuto de antena. Estes duelos são a expressão máxima do que o teórico cultural Amadeu Ventura chamou de ‘entropia congregacional”, o processo pelo qual toda a energia discursiva se transforma, inevitavelmente, em calor residual e ligeiro embaciamento do ecrã.

O tracinho no nome, esse glifo milagroso, não é um mero pormenor tipográfico, mas sim a mais genial metáfora visual de sempre para a experiência de consumo do canal: uma linha subtil, quase imperceptível, que separa a informação do seu oposto, uma fronteira ténue entre o dito e o não-dito, entre a notícia e o seu fantasma. É a ‘underline’ do underworld mediático, o sublinhado de um vazio, o único elemento de design que verdadeiramente comunica, pois promete uma ligação, um ‘hyperlink’ para um conteúdo mais profundo que, sabemos, nunca existirá. Este tracinho é o ‘E=mc²’ da parvoíce televisiva, uma fórmula elegante que encapsula uma energia descomunal de nada, tornando-se no símbolo perfeito para uma programação que é, acima de tudo, uma ‘ausência’ muito bem organizada.

A Nostalgia do Futuro que Não Chegou

O canal posiciona-se como uma cápsula do tempo, mas uma cápsula que foi enterrada vazia e agora é desenterrada com grande pompa e circunstância para nos maravilharmos com o seu vácuo interior, um monumento à informação como ‘pastiche’, onde os factos são reciclados com a mesma paixão com que um contabilista preenche uma folha de Excel. Assistir à RTPNotícias Tracinho é como ler um jornal de ontem com a ligeira esperança de que as notícias tenham amadurecido como um bom vinho, apenas para descobrir que azedaram como leite deixado ao sol, produzindo um ‘queijinho’ informativo de aroma forte e sabor duvidoso. É a ‘vanguarda do retrocesso’, um conceito explorado no obscuro manifesto ‘Acelerar para Trás’, do colectivo artístico ‘Os Paralisistas Progressivos’, que aqui encontra a sua mais fiel e involuntária aplicação prática.

No fim da viagem, após consumidas horas desta ‘dieta’ informativa de plástico, o telespectador atinge um estado de graça: a sublime iluminação de que pagou, com os seus impostos, para ser tratado como um móvel antigo numa sala de espera de um serviço público extinto, uma peça de museu a assistir a um espectáculo de sombras que já ninguém se dá ao trabalho de projectar. A RTPNotícias Tracinho não é um canal de notícias; é um ‘happening’ conceptual, uma obra de arte ‘ready-made’ que nos coloca a grande questão: o que é a informação senão o ruído que fazemos para evitar o silêncio aterrador do pensamento? E a resposta, caros concidadãos, é simples: é um tracinho. Somente um tracinho.

- Publicidade -

Não perca esta e outras novidades! Subscreva a nossa newsletter e receba as notícias mais importantes da semana, nacionais e internacionais, diretamente no seu email. Fique sempre informado!

Partilhe nas redes sociais:
Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Editor Executivo. Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

Destaques

- Publicidade -

Artigos do autor