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Os Comboios ‘Rapidíssimos’ e a Lenta Morte da Razão

Há mais uma promessa de que vem aí o comboio rapidíssimo entre Lisboa e Madrid. É uma notícia que surge com a previsibilidade das cheias do Nilo, mas sem o benefício fertilizante, apenas a lama habitual; o Estado tem o talento invulgar de ressuscitar a miragem ferroviária sempre que o calendário atinge um número ímpar ou quando a Lua entra em Aquário.

Este, desta semana, que vai estar pronto em 2034, só levará TRÊS horas entre a capital Portuguesa e a de Castela e Leão, o que equivale a dizer que a tecnologia vai finalmente conseguir o que a paciência colectiva já havia abandonado. A aviação morreu: para ir na TAP, demoramos muito mais: 1h20min, com um custo impossível de 36 euros, o que é uma tragédia de proporções épicas, pois este “custo impossível” é a prova de que a única coisa verdadeiramente rápida em Portugal é o preço a descer para níveis insustentáveis, o que até dói, porque é já para a semana. Muito veloz, para agendas de papel.

A Invenção da ‘Câmara Obscura’ Ferroviária

O grande triunfo é a ‘velocidade’; é um conceito elástico, sobretudo quando se trata de infra-estruturas nacionais, onde ‘rápido’ significa, na prática, ‘em breve’ ou ‘nunca’. A promessa de 2034 é, na verdade, um ‘déjà-vu’ tão gasto que já merece uma placa comemorativa na Estação do Oriente, ao lado das ruínas da ponte que nunca se fez e do monumento aos burros voadores. Este projecto não é transporte, é um exercício de fé, uma espécie de catecismo técnico-burocrático para os ‘crentes’ do progresso inadiável. A ‘alta-velocidade’ é, portanto, o mais recente ‘ópio do povo’ – e os ‘traficantes’ estão de volta com ‘mercadoria’ de má qualidade.

O ‘Carrossel’ de Cobre e Latão

Mas tivemos acesso aos próximos projectos do TGV, a anunciar a cada dois anos e meio, até 2237, dos quais escolhemos os melhores, para gáudio dos arquitectos de planos sem ‘cimento’ nem ‘areia’, apenas ‘vapor’. A data de conclusão é a de 1976, o que sugere que os engenheiros da época já tinham o plano feito, mas o tempo parou, numa espiral ‘kafkiana’ de burocracia ‘in-progressu’. A primeira alternativa é o TGV ‘Luso-Hispânico’ (Projecto ‘Sísifo’): um comboio que, em vez de rodas, terá patins gigantescos de gelo seco, que deslizarão sobre um trilho untado com azeite virgem extra, prometendo uma viagem de quatro horas e meia para quem não tiver pressa de chegar, mas sim vontade de participar num espectáculo circense. A sua conclusão está prevista para o dia seguinte ao Natal gregoriano, no ano em que os porcos voarem em formação militar, o que é um prazo realista para projectos portugueses.

Os ‘Três Mosqueteiros’ do Inesperado

Segue-se o TGV ‘Trans-Ibérico’ (Projecto ‘Quixote’): uma linha em que o comboio só circula em anos bissextos e no sentido contrário ao da força centrífuga, demorando quatro horas e vinte minutos, mas com uma particularidade genial – em vez de bilhetes, os passageiros apresentarão um ensaio sobre a ‘Dialética da Não-Chegada’ ou um poema ‘haicai’ sobre o tédio existencial, o que garantirá que só os ‘candidatos’ ao nirvana ferroviário embarquem. A terceira proposta (Projecto ‘Atlântico’): um comboio movido a ‘gritos de revolta’ e ‘suspiros de desalento’, que prometem uma viagem de cinco horas, o que é a certeza de que a pressa é inimiga da perfeição – e também da pontualidade. Segundo o ‘olvidado’ ensaísta Eusébio Pinho Salgado, na sua obra magna, “A História de uma Bicicleta Sem Selim”, a pressa é um conceito ‘burguês’ – a verdadeira elite viaja sem pressa.

A ‘Odisseia’ da Estação Vazia

A quarta ideia (Projecto ‘Lento’): um comboio rápido que para em todas as aldeias e lugarejos esquecidos, com a missão pedagógica de ensinar os habitantes a fazer ‘origami’ com os bilhetes do comboio, o que elevará a viagem a cinco horas e dez minutos, sem contar com as paragens para ‘reabastecer’ as ganas de viajar. A quinta opção (Projecto ‘Retrógrado’): um comboio rápido que só circula de trás para a frente, forçando os passageiros a encarar o futuro como se fosse o passado, o que é um exercício metafísico de ‘transporte’ e ‘nostalgia’ ao mesmo tempo, elevando a viagem a cinco horas e meia. O ‘filósofo de facção’ Dr. Abílio das Dores, no seu panfleto “A Vontade de Não-Poder”, defende que o único avanço é o ‘recuo’ — e o TGV ‘Retrógrado’ é o seu ‘testamento’.

A ‘Ascensão’ à Irrelevância

A penúltima ‘maravilha’ (Projecto ‘Vigilante’): propõe um comboio rápido que não tem janelas, para que os passageiros não se distraiam com a paisagem, demorando as habituais três horas e vinte minutos, mas com a grande ‘invenção’ de uma ‘realidade virtual’ que projecta uma vista da Sibéria invernal, o que serve de metáfora ‘gélida’ para a ausência de calor humano nos projectos do Estado. É o ‘ponto alto’ do absurdo. Finalmente, o futuro chegou para dispensar a mobilidade, ou o seu simulacro. A última das propostas já dispensa o comboio rápido, não tem datas, não tem tempo de viagem e apenas promete um carril em forma de “Olho Que Nada Vê”, o que é a cereja no topo do bolo da ‘patetice’ estatal. Esta ‘infra-estrutura’ não é para transporte de pessoas, mas sim para a ‘meditação’ sobre a inevitabilidade da ‘paragem’ e do ‘vazio existencial’ – um carril suspenso, sem comboio, que liga o ‘nada’ ao ‘sítio nenhum’. É a mais pura expressão do génio português: a criação de algo que não serve para absolutamente nada, mas que, ironicamente, é a mais ‘acertada’ das promessas. O resultado final desta ‘viagem’ é que o comboio ‘rapidíssimo’ entre Lisboa e Madrid é, na verdade, um ‘statement’ existencial, uma obra de arte ‘surrealista’ que nos lembra que a verdadeira alta-velocidade é a rapidez com que as promessas se desvanecem no ‘ar rarefeito’ da política.

A ‘Última Paragem’ no País das Maravilhas

O grande paradoxo é que o ‘comboio-fantasma’ é a coisa mais real que existe, pois não teremos o TGV em 2034, nem em 2237, mas teremos, de certeza, uma ‘nova’ promessa em 2027. O que realmente interessa, para concluir esta análise de ‘elevado’ calibre técnico, é que o comboio ‘rapidíssimo’ entre Lisboa e Madrid está destinado a ser o ‘moby dick’ da engenharia, uma lenda urbana contada em ‘círculos’ viciosos, um ‘cliché’ que se recusa a morrer, o que é, no fim de contas, um belíssimo atestado de ‘saúde mental’ para os ‘arquitectos’ do futuro que nunca chega. A verdade é que o comboio que mais depressa nos liga a Madrid é a nossa ‘própria’ imaginação.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Editor Executivo. Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

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