Sábado,Novembro 1, 2025
15.4 C
Castelo Branco

- Publicidade -

Carta Aberta sobre o Projeto “CSF Sophia” – Apelo à Reflexão e ao Diálogo com as Comunidades Locais

Senhoras e Senhores,
Escrevo-lhes estas palavras que brotam do meu próprio coração e do coração da minha
esposa.

Espero, contudo, que nelas se reconheçam também muitos outros, com histórias
semelhantes e sentimentos familiares.

Sou daqueles que por vezes são chamados de corajosos por terem deixado para trás a
sua antiga casa e escolhido livremente uma nova pátria.

Mas confesso: tenho medo.

O projeto solar Sophia talvez não ameace a minha existência, mas coloca em causa a
minha confiança mais íntima, a fé que tenho na vida e nos humanos.
Há mais de doze anos que a minha esposa e eu vivemos na serena freguesia de Vale de
Prazeres.

Aqui construímos uma nova vida, em harmonia com a natureza e numa ligação cada vez
mais profunda com as pessoas extraordinárias que, geração após geração, moldaram o
caráter forte, são, sábio e verdadeiro da Beira Baixa.

Esses valores refletem-se também na paisagem: em grande parte intacta, cheia de vida,
por vezes austera e pedregosa, mas fértil e generosa nas inúmeras pequenas quintas
cuidadas com amor e dedicação.

Foi tudo isso que o nosso coração procurava — e foi aqui que encontrou um novo lar.
Viemos com a intenção de ficar para sempre.

Agora chega Sophia – um nome demasiado doce para uma monstruosidade de vidro, aço
e betão, que ameaça desfigurar para sempre o rosto e a alma desta região.
Seria um pesadelo insuportável acordar um dia numa zona industrial de proporções
gigantescas, quando o que procurávamos era o sonho de uma vida no campo.
Em poucas palavras: ficar deixaria de ser uma opção.

A alternativa seria partir — com o coração despedaçado e os sonhos quebrados:
o sonho de ver crescer o nosso jardim botânico, de aperfeiçoar o nosso azeite, de
acompanhar o amadurecimento do nosso vinho.
Não esperaríamos pelas escavadoras que viriam enterrar as nossas esperanças sob os
escombros; partiríamos antes, levando connosco o pouco que resta das nossas
economias, em busca de um novo lugar para o coração.

A nossa partida em si talvez pouco importe.
Nem para V. Ex.as, que destas linhas possam ler com benevolência, nem para a maioria
das pessoas daqui.

Não somos investidores, nem trazemos grandes riquezas.
Mas pagamos impostos, compramos produtos locais, frequentamos os restaurantes da
região, participamos em eventos culturais e incentivamos família e amigos a conhecer e
amar esta terra.

Antes de nós já outros estrangeiros aqui se fixaram; muitos mais vieram nos anos
seguintes, animados pelas mesmas esperanças e o mesmo amor.
Alguns abriram negócios, outros desfrutam da reforma, arriscando as suas poupanças de
uma vida.

Todos como plantinhas delicadas, recém-plantadas em solo fértil, crescendo e tornandose árvores jovens e, quando vistas individualmente, insignificantes na vasta paisagem
dominada por sobreiros poderosos.

Mas graças a eles, o despovoamento crónico começou finalmente a abrandar.
Os comércios locais resistem, novas atividades surgem, a procura cultural aumenta,
famílias são formadas, e crianças voltam a encher escolas que antes ameaçavam fechar.
Assim, há futuro também para quem aqui nasceu — um futuro que já não precisa de ser procurado em cidades distantes ou países estrangeiros, um futuro que floresce na terra dos seus antepassados e promete uma vida simples, mas plena.

Enquanto esta riqueza autêntica pode pertencer a todos, Sophia trará apenas dinheiro
rápido para uns poucos. As intenções de muitos proprietários rurais, que cedem as suas terras a grandes empresas, não são más.

Alguns apenas desejam garantir um futuro sem preocupações aos seus filhos — quem
sou eu para os julgar?

Mas permitam-me fazer-lhes uma pergunta:
E as preocupações do comerciante local de maquinaria agrícola, cujas contas vazias
revelam que sob os painéis solares já não se colhem batatas?
Ou as da dona do turismo rural, cujos quartos vazios testemunham que os visitantes
procuram a natureza, não um parque industrial?
E as do padeiro da aldeia, que vê o seu pão ficar por vender à medida que o êxodo rural
aumenta mais do que nunca?

Compreendem, Senhoras e Senhores:
O medo pelo meu próprio interior e pelo interior deste país maravilhoso estão intimamente
entrelaçados no seu destino.
Esta carta aberta é um apelo à vossa humanidade, à vossa ligação à natureza e à
memória das vossas próprias origens.
Talvez as vossas raízes também estejam numa destas regiões esquecidas, hoje
ameaçadas por interesses que, no fundo, não podem ser os vossos.
Na convicção de que os sentimentos aqui expressos são partilhados por muitos —
naturais da terra e novos habitantes —, peço-vos que não avancem com o projeto Sophia sem antes dialogar de igual para igual com as pessoas afetadas e obter a sua verdadeira legitimidade democrática. Ao levantar agora os dedos do teclado, confio o meu destino nas mãos de forças que me ultrapassam, com o desejo sincero de que estas palavras cheguem às escritórios, às redações e aos plenários — e toquem os corações daqueles que têm mais poder do que um simples e humilde imigrante que apenas quer preservar a sua amada nova pátria.

Carta Aberta de um casal que vive na Freguesia de Vale de Prazeres

- Publicidade -

Não perca esta e outras novidades! Subscreva a nossa newsletter e receba as notícias mais importantes da semana, nacionais e internacionais, diretamente no seu email. Fique sempre informado!

Partilhe nas redes sociais:

Destaques

- Publicidade -

Artigos do autor