A política portuguesa parece ter encontrado a sua musa numa fonte de Belém que, em vez de água, jorra decretos e discursos. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, sempre afável e exímio em comunicar (seja com os líderes partidários, seja com as massas armadas de smartphones), voltou a abrir a torneira das suas ameaças veladas, desta vez insinuando que, se o orçamento não passar, não haverá hesitação em dissolver a Assembleia e forçar o país a mergulhar de novo na emoção cíclica de umas eleições antecipadas.
Há quem diga que a Constituição o permite, que há precedentes e que isto faz parte do seu papel. Mas será que faz parte da liturgia presidencial misturar a gravidade do cargo com um toque de reality show? Afinal, não falamos de um comum cidadão que, depois de uma tarde a assar sardinhas, tira selfies para o Facebook. Marcelo dominou como ninguém a arte de desdramatizar crises a golpes de populismo digital, tirando uma selfie aqui, fazendo uma graça acolá, e, pelo meio, lançando um ou outro aviso apocalíptico à nação.
Marcelo é mestre numa alquimia única: a de fazer com que qualquer potencial colapso político pareça mais um capítulo entusiasmante de uma telenovela do que propriamente o prenúncio de uma crise governativa séria. Quem o ouve falar sobre dissoluções parlamentares e crises orçamentais quase que espera ver um emoji a piscar, ou uma reação instantânea nas redes sociais. Porque, convenhamos, no meio desta histeria do “vai, não vai”, há uma constante: a presença reconfortante do Presidente a segurar o telemóvel, pronto para a próxima fotografia com o cidadão comum. Um chefe de Estado que consegue transformar as sombras da política nacional numa oportunidade de likes e partilhas.
Mas a situação não se esgota na superficialidade dos selfies. Há algo mais profundo a destilar da fonte presidencial. Ao ameaçar dissolver a Assembleia, Marcelo joga um jogo perigoso de suspense político, onde ele próprio se coloca no centro da ação, como protagonista incontestável. O povo assiste, entretido e confuso, como se a política fosse um desporto de fim de tarde, sem perceber muito bem se, no final, está a ser protegido ou manipulado. Afinal, a fonte de Belém não se cansa, e o seu caudal de palavras, selfies e ameaças parece ser inesgotável.
Porém, há uma diferença subtil entre liderar com autoridade e distrair com teatralidade. E a questão que se impõe é: até quando Marcelo conseguirá manter este equilíbrio? Porque uma coisa é certa, quando a água dos selfies começa a secar e a espuma da popularidade nas redes se dissipa, só resta o que realmente interessa – o futuro do país, suspenso numa corda bamba entre orçamentos adiados e urnas que podem voltar a ser abertas. E não será um selfie que nos salvará do próximo capítulo desta saga presidencial.