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A luz que chegou do longe

A chegada da electricidade às povoações da Beira Baixa, a partir da década de 40, marcou um dos momentos mais transformadores do quotidiano rural. Os primeiros postes de madeira e cabos foram instalados em freguesias próximas de Castelo Branco e Idanha-a-Nova por equipas da então Companhia Eléctrica das Beiras. Até aí, a iluminação fazia-se com candeias de azeite e candeeiros de petróleo.

Os testemunhos recolhidos revelam surpresa e emoção perante as primeiras lâmpadas acesas. «Parecia magia dentro de casa», recorda Maria do Carmo, hoje com 89 anos. As noites deixaram de terminar cedo, os serões prolongaram-se, e surgiram novas possibilidades para o comércio, como as primeiras mercearias iluminadas que passaram a abrir até mais tarde. A mudança trouxe também novos riscos, com relatos de pequenos incêndios provocados por instalações improvisadas, que acabaram por acelerar a formação de electricistas locais, profissão até então inexistente em muitas aldeias.

As vozes que viajavam pelos fios

Poucos anos depois, o telefone começou a chegar às sedes de concelho. As primeiras centrais telefónicas manuais exigiam a intervenção de telefonistas, que estabeleciam as ligações após o pedido de cada utilizador. As chamadas eram, muitas vezes, acontecimentos sociais. O telefone público da praça central funcionava como ponto de encontro e veículo de notícias.

A novidade alterou a forma de comunicar. Agricultores passaram a marcar vendas e encomendas por chamada, e famílias divididas pela emigração usaram o aparelho para encurtar distâncias. «Quando ouvi a voz do meu filho em França, chorei como se estivesse ali ao lado», relata Joaquim Dias, antigo utilizador do posto telefónico de

Penamacor. Em algumas aldeias, a chegada do telefone foi vista como sinal de prestígio e modernidade, com relatos de autarcas locais a disputarem a instalação do primeiro aparelho.

O mundo entrou em casa

O primeiro televisor da região terá sido instalado em meados da década de 50, numa casa de comerciantes de Belmonte. Rapidamente, os serões em torno do pequeno ecrã tornaram-se hábito colectivo. As famílias vizinhas juntavam-se para assistir ao Telejornal, às novelas e aos festivais da canção, transformando as salas em improvisadas salas de cinema.

A televisão alterou a organização doméstica. As refeições começaram a ser marcadas pelos horários da emissão, e a cultura oral tradicional perdeu espaço para os novos conteúdos. «As histórias à lareira deram lugar ao noticiário», resume Manuel Esteves, professor aposentado que estudou a mudança dos hábitos locais. Também os comerciantes perceberam cedo a oportunidade, com cafés e tabernas a anunciarem o «atractivo» de terem televisor, atraindo clientes de aldeias vizinhas e criando novos espaços de sociabilidade.

Os caminhos de pedra viraram fita negra

Outro marco do progresso foi a pavimentação das estradas. O alcatrão substituiu a terra batida e a pedra calcária em troços entre Castelo Branco, Fundão e Oleiros. A mudança facilitou a circulação de automóveis e encurtou distâncias. Carroças e juntas de bois foram gradualmente substituídas por camiões de transporte, que permitiram escoar produtos agrícolas com maior rapidez.

A nova rede rodoviária reforçou a ligação da Beira Baixa ao «mundo lá de fora». Estudantes passaram a viajar com mais facilidade para cidades vizinhas, e os comerciantes locais viram abrir-se oportunidades de negócio em mercados regionais. O turismo incipiente começou também a beneficiar, com visitantes urbanos a chegarem às aldeias em busca de tranquilidade, algo que antes parecia logisticamente impossível.

As memórias e o futuro

O projecto «Quando o Mundo Mudou na Beira Baixa» reúne agora depoimentos de habitantes que viveram estas transformações. O objectivo é preservar a memória colectiva de um tempo em que a modernidade chegou de forma gradual, mas irreversível.

As recordações destacam tanto ganhos como perdas. Houve quem lamentasse o desaparecimento de tradições comunitárias e ritmos próprios da vida rural. Outros celebram as oportunidades abertas pela modernização. «Foi uma revolução silenciosa, mas mudou tudo», sintetiza António Figueiredo, natural de Proença-a-Nova.

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