O Partido Socialista (PS) exigiu ao Governo que dê “garantias” de que aceita acomodar as propostas de alteração apresentadas pelos socialistas àquela que tem sido chamada lei dos solos. Sem essa garantia, o PS entende que a entrada em vigor do diploma “deve ser evitada a todo o custo”. E o Governo já deu essas garantias: “Para podermos viabilizar esta lei, não teremos casas a preços moderados, vamos ter casas a custos controlados”, disse o ministro adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, durante a apreciação parlamentar às alterações no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), que decorreu esta sexta-feira na Assembleia da República. As propostas de alterações serão, agora, discutidas em sede de especialidade parlamentar.
BE, PCP, Livre e PAN pressionaram hoje o PS para que revogasse a polémica lei dos solos rústicos mas os socialistas preferiram impor ao Governo alterações, visando a construção de habitação acessível. Para João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica, a legislação em debate “pretende facilitar o tráfego de solos e a especulação imobiliária”.
No início do debate na Assembleia da República da apreciação parlamentar ao decreto do executivo que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, dirigiu-se diretamente aos deputados do PS.
“Oiçam os alertas de Helena Roseta. Com ou sem alterações e mitigações, a alteração à lei dos solos é uma maldição que assombrará o futuro do país”, alertou, insistindo que esta lei “não é para habitação pública” e não vai baixar os preços das casas.
Mortágua reiterou que “não faltam solos porque 50% dos solos urbanizáveis não estão construídos” e avisou que a lei em debate “tem custos ambientais inestimáveis, independentemente dos preços praticados”.
O deputado Alfredo Maia, do PCP, seguiu a mesma linha, argumentando que “o Governo encontra nos problemas das pessoas oportunidades de negócio e especulação mas não quer resolvê-los” e que “não há falta de casas, há falta de casas que as pessoas possam comprar”.
“Este decreto-lei não se endireita nem com remendos, por isso é urgente a sua revogação imediata”, sustentou.
A líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, classificou o diploma como “perigoso” e admitiu que “há muitas discussões” possíveis sobre o tema em debate mas que “essas discussões não se fazem com base neste decreto de lei”.
“Hoje é dia de acabar com este entorse legislativo”, apelou, numa referência a uma expressão utilizada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na nota de promulgação do diploma, na qual expressou algumas reservas.
Pelo PAN, Inês Sousa Real criticou o “desvario do Governo” e considerou que o diploma “é um grave atentado ambiental mais do que um entorse legislativo”.
Aumentar oferta pública
Contudo, estes apelos não foram necessários para que o PS revogasse o diploma do Governo. Pela bancada socialista, a deputada Maria Begonha criticou o executivo por não ter trazido por sua iniciativa o texto ao parlamento e realçou que uma alteração à lei dos solos rústicos não seria uma prioridade do seu partido para resolver os problemas da habitação.
A socialista considerou que o Governo falha no “único motivo que pode justificar a excecionalidade deste diploma”, que é o de aumentar a oferta de habitação pública, e, por essa razão, o PS apresentou várias alterações ao texto do executivo, como a revogação do conceito de “valor moderado” e a introdução no diploma dos conceitos de “habitação a custos controlados” e de “arrendamento acessível” como condições para que os municípios possam autorizar a conversão dos solos.
Considerando que o diploma atual “não só não faz descer o preço da habitação como piora o problema”, Maria Begonha avisou o Governo que sem a aceitação destas propostas, este diploma teria que ser revogado.
O ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, acabou por garantir que iria aceitar algumas das propostas dos socialistas, sob críticas das bancadas à esquerda do PS.
Pelo PSD, o deputado João Vale e Azevedo afirmou que “é possível ajustar o decreto-lei no sentido de garantir um maior consenso” mas avisou que “quanto maiores restrições forem criadas, menos solos serão libertados, menos investimento será feito, e mais caras serão as casas”.
Pela bancada do Chega, a deputada Marta Silva criticou a esquerda por querer revogar o diploma “de forma cega e ideológica” e afirmou que o seu partido reconhece “o mérito do princípio da proposta mas também a sua fragilidade” razão pela qual pretende apresentar propostas de alteração.
O deputado da IL Albino Ramos considerou que o diploma do Governo “não vai resolver o problema da habitação mas também não vai provocar nenhuma catástrofe urbana e ambientalista” e pelo CDS-PP, o deputado João Almeida defendeu que é necessário construir mais casas e a agilização de processos.
O vice-presidente da Frente Cívica considera que a aprovação das alterações da Lei dos Solos vai sobrevalorizar os terrenos rústicos e aumentar a especulação imobiliária. João Paulo Batalha acrescenta que se trata apenas de alterações cosméticas.
Uma trafolhice
“As alterações que estão aparentemente a ser discutidas e já anunciadas, embora não as conheçamos ainda no detalhe, são alterações cosméticas que dão ao PS um alibi para aprovar uma lei que nós na Frente Cívica apelidámos de ignóbil trafolhice, porque é uma lei que pretende facilitar o tráfego de solos e a especulação imobiliária”, diz João Paulo Batalha.
A medida é polémica e já recebeu críticas de várias organizações ambientais e dos partidos à esquerda do PS. No entanto, não é certo que versão final poderá sair do debate, já que o PS pretende também apresentar propostas de alteração.
“O que esta lei pretende fazer é dar oportunidades a ‘patos bravos’ de imobiliário e autarcas e partidos políticos em ano de eleições para valorizar artificialmente terrenos rústicos, com valorizações de seis e sete vezes, e permitir a especulação imobiliária”, acrescenta o vice-presidente da Frente Cívica.