O Senado Federal do Brasil aprovou, no início do mês de julho, o Projeto de Lei 3.010/2019, que reconhece a fibromialgia como deficiência (PcD), uma proposta que já foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 24 de julho. Com a nova legislação, pessoas devidamente diagnosticadas poderão ser incluídas em políticas públicas específicas, como “atendimento prioritário, benefícios assistenciais e ações de saúde voltadas à sua condição”.
Esta decisão mereceu a atenção do presidente da Academia Portuguesa de Fibromialgia, Síndrome de Sensibilidade Central e Dor Crónica, que celebrou a notícia que chegou desde o país irmão.
“Este foi um passo muito importante para o reconhecimento dos doentes que sofrem com essa importante patologia, e que sofrem com muitas dores. Sofrem tanto pelas próprias dores como pela incompreensão e pelos preconceitos da sociedade e, também, da comunidade médica, que, muitas vezes, não compreende os pacientes. Mas, em qualquer caso, eu quero dizer que o primeiro que temos de fazer é definir a deficiência, que é uma ausência ou disfunção de uma estrutura anatómica, fisiológica ou psíquica, e produz um impedimento ao longo do caminho, pelo menos de dois anos, de natureza física, mental, intelectual e sensorial.
E esse impedimento pode prejudicar a participação plena e efetiva das pessoas que padecem da doença na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. É isso o que o dicionário entende por deficiência. E acredito que a lei sancionada, com base nisso, foi feita para minimizar os problemas que afetam os pacientes”, considerou este especialista, que sublinha que, em Portugal, “atualmente, há uma tramitação parlamentar na Assembleia da República para estudar e dar apoios específicos médicos e legais aos pacientes com fibromialgia”.
“Creio que é uma proposta válida, justa e necessária para os pacientes também em Portugal”, disse o presidente da Academia Portuguesa de Fibromialgia, que insiste que, “no pior dos cenários”, o sofrimento dos pacientes ocorre quando há a “incompreensão da família, e de outros setores da sociedade”.
“O maior sofrimento é quando a classe médica, que deve atender, tratar e compreender os pacientes, trata mal o enfermo, avaliando que a doença não existe, que a pessoa está louca, etc. Em Portugal, muitos pacientes comentam que os seus médicos de família ou especialistas não atendem como deveriam, com atenção e sensibilidade. E isso é um sofrimento adicional”, questionou.
“Dor da invisibilidade e do preconceito”
Durante a votação na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) no Brasil, o autor do projeto, o senador Fabiano Contarato, partilhou um relato pessoal sobre a doença.
“Eu tenho uma irmã que passou por um cancro que desencadeou a fibromialgia. Só quem tem fibromialgia efetivamente sabe. Nós estamos fazendo uma reparação histórica, reconhecendo as pessoas com fibromialgia como pessoas com deficiência. Essas pessoas sofrem com a dor da invisibilidade, mas sofrem muito mais com a dor do preconceito. Por quê? Porque, infelizmente, as pessoas não acreditam nelas”, afirmou este senador, que também mencionou sintomas como “tontura, dificuldade de concentração, sensibilidade ao toque, depressão e ansiedade”, sentidos pelas pessoas.
Segundo Fabiano Contarato, a avaliação deverá ser feita caso a caso por uma equipa multidisciplinar formada por médicos, psicólogos e outros profissionais, para identificar possíveis limitações funcionais ou sociais.
De acordo com especialistas brasileiros, a fibromialgia pode “comprometer significativamente a autonomia da pessoa, impedindo o trabalho e afetando a sua qualidade de vida”. Os sintomas incluem “dores crónicas, rigidez muscular, fadiga, confusão mental e transtornos do sono”, entre outros.
“Condição de incapacidade”
“Como disse o poeta espanhol: “o ser humano despreza tudo o que ignora”. Para compreender a fibromialgia e os pacientes que dela sofrem, é preciso duas situações: primeiro, empatia pessoal com os pacientes e, em segundo lugar, estudar muito a doença para compreender desde um ponto de vista científico, que é o nosso trabalho como médico: compreender esses pacientes que sofrem, ter empatia e ajudá-los. A missão do médico é ajudar, não é dizer que alguém está louco ou que a doença não existe”, adicionou o presidente da Academia Portuguesa de Fibromialgia, que avalia ser importante “reconhecer a fibromialgia como uma condição de incapacidade”.
“Pode-se ajudar economicamente. Primeiro, podemos diagnosticar que a pessoa padece da doença. Ainda é verdade que a Organização Mundial da Saúde em 1990 emitiu uma carta de naturalidade para a doença, mas, dessa maneira, ao se reconhecer no Brasil a fibromialgia como uma deficiência, devido a uma ajuda importante na compreensão desses enfermos para a sociedade. Depois, é importante o apoio económico, pois temos em conta que esses doentes não podem trabalhar muitas vezes e isso afeta o rendimento económico das famílias”, frisou este responsável, que sublinha os avanços dos estudos da doença no maior país da América do Sul.
“O Brasil é um dos países que está no topo do mundo em estudos sobre fibromialgia. Hoje, no meu ponto de vista, o país que mais avançou nos estudos é o México, seguido imediatamente pelo Brasil e pela Espanha. No Brasil há muita sensibilidade com esta doença e a prova é a decisão anunciada pelo Senado brasileiro. No país, estuda-se muito a Neuroestimulação Magnética Transcraniana, técnica que criei, e os profissionais brasileiros levaram 20 anos estudando, fazendo e propondo como tratamento”, realçou o Prof. Dr. José Luis Arranz, que acredita que Brasil e Portugal deveriam trabalhar em conjunto na questão da saúde e da fibromialgia.
“Creio que os dois países devem dialogar. Às vezes, há dificuldades inelegíveis na idiossincrasia de cada país. Mas o que pode ser um obstáculo em nível político, é normalmente superado pelos cientistas. Por isso, Brasil e Portugal, sem dúvida, devem colaborar nas investigações porque têm o principal elemento, que é o idioma, a língua, o veículo de conhecimento”, defendeu o Prof. Dr. José Luis Arranz, que revelou estar, neste momento, concentrado na investigação da fibromialgia como patologia metabólica.
“O meu trabalho é buscar as referências bibliográficas e fazer investigação para que se entenda que a fibromialgia tem uma componente metabólica muito importante”, explicou o Prof. Dr. José Luis Arranz, que lidera a primeira Unidade de Fibromialgia e Síndrome de Sensibilidade Central e Dor Crónica, criada em 2021, na cidade da Covilhã, no Interior de Portugal.
“Acho que não há ninguém que seja cientificamente sério que pense que esta é uma doença reumatológica. Já foi demonstrado que é uma doença neurológica, é uma doença que, no final, gera uma Hiperexcitabilidade neuronal, que provoca uma série de alterações nos neurotransmissores que fazem com que se desencadeie um síndrome de sensibilidade central. E tudo isso é neurológico, não é reumatológico. E repito: qualquer pessoa séria cientificamente sabe que é uma doença neurológica”, finalizou o Prof. Dr. José Luis Arranz.