Opinião de Higor Ferro Esteves – Vice-presidente da Comissão Executiva da Confederação Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP)
O Acordo de Associação entre a União Europeia e o Mercosul, cuja negociação se arrasta há mais de vinte anos, representa uma das maiores iniciativas de política comercial da história recente. Estamos a falar de um entendimento que, se plenamente ratificado, abrangerá mais de 780 milhões de pessoas e cerca de 25% do PIB mundial.
Pela sua escala e impacto, não é exagero afirmar que estamos diante de um marco geopolítico para o espaço atlântico.
Para Portugal, porém, o valor deste acordo não se resume a estatísticas de comércio. Trata-se de uma questão de posicionamento estratégico: ou o país se afirma como ator ativo e relevante no diálogo transatlântico, ou arrisca se limitar a ser mero observador de decisões tomadas por outros.
Nesse processo, o Brasil surge como pilar incontornável. É a maior economia do Mercosul, representa mais de dois terços do PIB do bloco e possui laços históricos, culturais e linguísticos profundos com Portugal. A articulação política e empresarial entre Lisboa e Brasília será determinante para que as oportunidades abertas pelo acordo se transformem em resultados concretos.
Portugal tem condições objetivas para desempenhar um papel de ponte entre os dois blocos. A sua localização atlântica, os portos de águas profundas como Sines e Leixões e a rede logística moderna permitem ao país posicionar-se como plataforma natural para a entrada de produtos e investimentos brasileiros na Europa. Ao mesmo tempo, a afinidade cultural e linguística com o Brasil confere-lhe uma vantagem diplomática que nenhum outro Estado-membro da União Europeia possui.
Mas é importante sublinhar que esta vantagem, por si só, não garante protagonismo: será necessário reforçar a diplomacia económica, construir alianças estratégicas e garantir coordenação entre setor público e setor privado.
As oportunidades são amplas. O setor energético, em particular o das energias renováveis, é um terreno fértil para projetos conjuntos, numa altura em que tanto Portugal quanto o Brasil assumem compromissos de transição energética. O setor tecnológico e digital, em rápida expansão, pode ser igualmente explorado como espaço de cooperação.
A agroindústria e as infraestruturas oferecem complementaridades claras: enquanto o Brasil detém escala e recursos, Portugal pode oferecer conhecimento especializado, inovação e acesso privilegiado ao mercado europeu. Também no turismo e nos serviços financeiros existem janelas de oportunidade para uma cooperação mais estreita.
Ao mesmo tempo, o acordo pode ajudar a internacionalizar pequenas e médias empresas portuguesas, que, ao encontrarem parceiros no Brasil, ganham escala para competir não apenas no Mercosul, mas também em mercados terceiros. Da mesma forma, grandes grupos brasileiros podem utilizar Portugal como plataforma de entrada e consolidação na União Europeia, tirando partido de um ambiente regulatório estável, de incentivos ao investimento e de uma rede de acordos dentro do espaço comunitário.
No entanto, os desafios são significativos. O primeiro é a concorrência no setor agrícola europeu. A entrada de produtos agroalimentares do Mercosul — especialmente do Brasil — a preços altamente competitivos, poderá pressionar agricultores e produtores portugueses, muitos deles com estruturas de pequena escala. Esse fator já gera resistências políticas em vários Estados-membros, o que pode atrasar ou mesmo inviabilizar a ratificação do acordo em certos parlamentos nacionais.
Outro desafio incontornável é o ambiental. O Brasil encontra-se no centro do debate global sobre sustentabilidade e proteção da Amazónia.
Portugal pode desempenhar um papel importante no debate do Conselho Europeu e ajudando a construir confiança nos parlamentos nacionais.
Em última análise, o Acordo Mercosul–União Europeia representa para Portugal muito mais do que a abertura de um mercado adicional. Representa a possibilidade de afirmar-se como protagonista na relação transatlântica, reforçando a sua centralidade atlântica e transformando afinidades históricas em ativos estratégicos.
Mas para que isso aconteça, é indispensável reconhecer que o Brasil é o eixo estruturante dessa equação.
A cooperação estreita entre Portugal e Brasil é, portanto, condição necessária para o sucesso deste acordo. Cabe a ambos os países definir se pretendem estar alinhados e liderar este processo, transformando-o num instrumento de desenvolvimento mútuo, ou se deixarão que outros assumam esse protagonismo.
A história aproxima-nos; a economia pode consolidar essa ligação. A escolha está, agora, nas mãos dos dois lados do Atlântico.
Higor Ferro Esteves
Vice-presidente da Comissão Executiva da Confederação Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP)