A Comissão Europeia remeteu ao Conselho a proposta formal de assinatura e conclusão do Acordo de Parceria entre a União Europeia e o Mercosul, que pretende criar a maior zona de livre comércio do mundo, abrangendo cerca de 700 milhões de consumidores. O texto foi concluído a 6 de dezembro de 2024, após mais de vinte anos de negociações, e é classificado como um “avanço estratégico” na cooperação entre dois dos principais blocos económicos globais.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, salientou os benefícios recíprocos e o caráter equilibrado do acordo, com enfoque na equidade. Sublinhou a existência de salvaguardas robustas para proteger os agricultores europeus, entre as quais a defesa de mais de 350 produtos da UE através de indicações geográficas, a preservação dos padrões sanitários e alimentares europeus e a exigência do cumprimento dessas normas pelos exportadores do Mercosul. Estima-se ainda que o acordo permita às empresas europeias uma poupança anual de 4 mil milhões de euros em tarifas de exportação.
“Reforçar a aposta em inovação, diferenciação pela qualidade e valorização das indicações geográficas protegidas”
Em entrevista à nossa reportagem, Christelle Domingos, diretora executiva da Associação do Cluster Agro-Industrial do Centro (InovCluster), disse acreditar que “o acordo poderá ainda estimular investimentos e parcerias tecnológicas, bem como promover uma maior diversificação das cadeias de abastecimento”.
“A proposta da Comissão Europeia de avançar com a ratificação do Acordo de Parceria UE-Mercosul representa um marco estratégico relevante. Trata-se de uma oportunidade para reforçar a presença das empresas europeias, especialmente as PME, em mercados de grande escala, enquanto se consolidam compromissos de sustentabilidade e também de qualidade. No entanto este acordo vem estabelecer mais exigências das duas partes, colocando desafios acrescidos ao setor agroalimentar europeu, nomeadamente no equilíbrio da concorrência, na garantia da proteção das produções locais e no cumprimento rigoroso de normas ambientais e sanitárias”, comentou Christelle Domingos, diretora executiva da InovCluster.
“estabelecer pontes com potenciais parceiros e investidores nos países do Mercosul”
Segundo esta responsável, as interações e o desenvolvimento das empresas da região Centro de Portugal poderão ser impactadas com essa decisão.
“As empresas do Centro de Portugal, em especial as PME, poderão beneficiar com o acesso a um mercado de cerca de 700 milhões de consumidores, abrindo novas oportunidades de exportação para produtos de valor acrescentado e diferenciados”, ressaltou, reconhecendo que, “ao mesmo tempo, é expetável maior concorrência de produtos oriundos do Mercosul, o que reforça a necessidade de apostar em inovação, diferenciação pela qualidade e valorização das indicações geográficas protegidas”.
Ainda na opinião de Christelle Domingos, “entidades como a Inovcluster têm um papel determinante neste processo”.
“Cabe-nos apoiar as empresas na adaptação às novas exigências regulatórias, no reforço da sua competitividade e na promoção dos seus produtos em mercados internacionais. Através da articulação em rede, podemos dinamizar ações de capacitação e de internacionalização, apoiar na certificação e valorização de produtos com qualidade reconhecida, estabelecer pontes com potenciais parceiros e investidores nos países do Mercosul e garantir que os interesses e preocupações das PME da região Centro sejam transmitidas para as entidades competentes”, considerou.
“setor agroalimentar do Centro posicionado nesta nova geografia comercial”
Relativamente à internacionalização das empresas da região Centro de Portugal, bem como na atração de investimentos e oportunidades para o Interior, a InovCluster terá uma atuação importante, avaliam os seus responsáveis.
“Esperamos que este acordo represente um verdadeiro incentivo para a internacionalização das PME da Região Centro, com maior visibilidade e acesso a mercados da América Latina. No que respeita à região do Centro de Portugal, este acordo pode abrir oportunidades concretas para atrair investimento externo, sobretudo ligado à transição verde, à inovação agroalimentar e às cadeias de valor sustentáveis. A Inovcluster poderá atuar como catalisador, promovendo o território como destino competitivo para investimento, fomentando sinergias entre empresas e academia e assegurando que o setor agroalimentar do Centro se posicione de forma estratégica na nova geografia comercial que o acordo desenha”, assegurou esta diretora executiva.
Fontes diplomáticas consideram que “este passo reforça o alcance estratégico da União Europeia, reduzindo a dependência de mercados como o chinês para recursos críticos, ao mesmo tempo que oferece ao Mercosul maior acesso a mercados sofisticados, com garantias ambientais e sanitárias prioritárias”.
Próximos passos
Segundo apurámos, o texto final, após revisão jurídica, será traduzido em todas as línguas oficiais da UE e submetido ao Conselho e ao Parlamento Europeu. Posteriormente, o pilar comercial poderá ser aplicado provisoriamente, enquanto o acordo completo requer ratificação de todos os Estados-Membros.
A expetativa é que o processo seja concluído ainda este ano, desde que “as salvaguardas e revisões sejam aceites e nenhum país bloqueie o caminho legislativo”.
“Este acordo retira o comércio do abstrato e estabelece uma ponte tangível entre normas rigorosas, como as cibernéticas, ambientais, sanitárias, e oportunidades reais de crescimento. Representa um pequeno passo para o Governo da UE e o Mercosul, mas potencialmente um gigante salto para a economia sustentável global”, defenderam essas mesmas fontes.