No dia 21 de agosto, o Governo prometeu acelerar apoios financeiros aos agricultores e eliminar burocracia, mas processos travam nas CCDR, câmaras e juntas. O próprio ministro Castro Almeida prometeu, nesse dia, que os apoios a pequenos agricultores chegariam no prazo máximo de 10 dias. “O Estado não é rico, mas é solidário”, afirmou. Contudo, passados 15 dias sobre essas declarações, os agricultores continuam “a chupar no dedo” enquanto aguardam pelos prometidos apoios financeiros.
O apoio prometido pelo Governo aos agricultores afetados pelos incêndios ainda não foi entregue, apesar dos ministro da Economia e da Coesão Territorial e da Agricultura terem prometido agilizar o processo, acenando com um prazo de 10 dias. Em causa está a verba destinada à «rentabilização do potencial produtivo agrícola e um apoio excecional aos agricultores para a compensação dos prejuízos, mesmo através de despesas não documentadas», até ao máximo de 10 mil euros. Na prática, os agricultores andam à nora atrás dos apoios do Estado.
Mas, enquanto os apoios prometidos pelo Governo aos agricultores atingidos pelos incêndios continuam sem chegar ao terreno, a resposta solidária do sector agrícola não se fez esperar. E, na sequência de um apelo lançado pela CAP, a Federação Nacional dos Apicultores de Portugal (FNAP) recebeu alimento suficiente para apoiar quatro mil e quinhentas colmeias, disponibilizado pela Lusomorango – Organização de Produtores de Pequenos Frutos SA.
É com acções deste tipo da chamada “sociedade civil”, designadamente dos bombeiros sapadores de Lisboa que estiveram nas zonas onde deflagraram os maiores incêndios rurais, que os agricultores, principalmente os pequenos, tem sobrevido, enquanto aguardam por os tão anunciados apoios financeiros.
O secretário-geral da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), Luís Mira, já veio a terreiro afirmar que as verbas prometidas pelo executivo de Montenegro ainda não chegou a nenhum agricultor e questiona a forma como o processo está a ser tratado: “Até ao momento não existe nada. Onde está o dinheiro? Que agricultor é que recebeu o dinheiro? Que eu saiba nenhum. O que se constata é que a prática é diferente do discurso político”.
“As pessoas quando fazem uma promessa têm de saber que podem cumprir. Estas promessas foram feitas a seguir a um Conselho de Ministros quando está tudo empolgado e não têm a mínima noção de como pode ser implementado”, salienta Luís Mira, acrescentando que a CAP não fez nenhuma promessa e, três dias depois, os agricultores doaram alimentos a outros, atingindo quase 500 toneladas, “porque os animais têm que comer todos os dias”.
Pelo meio, apesar das promessas de desburocratização, os agricultores sentem-se defraudados com a forma como são feitos os pedidos de apoio, queixando-se que “as CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional] empurram para as Câmaras e as Câmaras para as Juntas”. Um facto é que, por exemplo, a “CCDR do Alentejo faz uma coisa, a do Centro outra e a do Norte outra”. Ou seja, cada uma tem o seu modus operandi.
Do ponto de vista de Luís Mira, o problema ganha contornos mais complexos nos casos em que as autarquias remetem essa responsabilidade para as Juntas de Freguesia. «Então um Governo que diz que vai lutar contra a burocracia, a primeira vez que tem aqui uma coisa para lutar contra a burocracia cria mais problemas? Se tiver três terrenos que pertencem a três juntas de freguesia tenho de ir uma a uma?», questiona.
Agricultores aos papéis
Recorde-se que na altura em que Castro Almeida anunciou os apoios também disse que, nos casos de prejuízos abaixo dos 10 mil euros, o Governo não iria “estar e pedir papéis” para apoiar as pessoas afetadas pelos incêndios. “Não vamos estar a pedir papéis. É na base da prova testemunhal, vendo no local, com alguém da Câmara Municipal ou da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, define-se o valor e pagamos imediatamente”, afirmou o governante.
Mas mais tarde disse que seria preciso preencher um formulário de candidatura que teria de ser entregue às Câmaras Municipais. As autarquias, por sua vez, “encaminham para a CCDR e a CCDR avalia e paga em 10 dias ou menos”, salientou.
Outra dor de cabeça para a CAP diz respeito ao facto de os agricultores da zonas do Alandroal, de Aljustrel e de Castro Verde afetados pelos incêndios terem ficado de fora por os fogos terem ocorrido mais cedo. Ou seja, a resolução do Conselho de Ministros só prevê compensar os agricultores que tenham sido afetados entre as 00h00 do dia 26 de julho de 2025 e as 23h59 do dia 27 de agosto de 2025.
“Parece que estamos num país diferente, mas é isto que está em vigor. Não me passa para a cabeça que não corrijam isto, no entanto, quem definiu isto foi a ANEPC [Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil] e o primeiro-ministro, o que é discriminatório”, acusa o secretário-geral da CAP.
Apesar de ainda não estarem contabilizados os prejuízos, o ministro da Economia e da Coesão Territorial já veio admitir que as perdas dos incêndios este ano são já “bastante superiores” às registadas no ano passado, superando os 30 milhões de euros.
“Na região norte, os prejuízos são bastante superiores aos incêndios de 2024. O número de agricultores é muito maior, no ano passado creio que foram mil e tal, e o volume envolvido é também bastante superior ao ano passado. Eu diria, tranquilamente, três, quatro, cinco vezes mais do que o ano passado. Estamos a falar de algumas dezenas de milhões de euros”, disse Castro Almeida.
Números que levam a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) a chamar a atenção “para o facto de o valor de 10 mil euros por agricultor ser escasso para acudir às situações em que tenham ardido estábulos, armazéns, instalações e máquinas agrícolas, ou culturas permanentes», pedindo ainda que «sejam criados parques para a receção de madeira ardida, de forma a evitar a especulação com os preços da madeira, ou negócios pouco transparentes na compra e venda da madeira queimada”.