Associação Portuguesa de Apoio à Vítima apela à responsabilidade dos meios de comunicação social na cobertura de crimes e revela crescimento de 27% nos casos de violência filial em apenas dois anos.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apelou esta quinta-feira à ética e à responsabilidade social dos jornalistas na cobertura mediática de crimes, sublinhando a necessidade de proteger a dignidade, a privacidade e a vontade das vítimas. A organização recordou ainda o aumento significativo de agressões cometidas por filhos contra os pais, fenómeno que tem vindo a preocupar os especialistas.
Em declarações à agência Lusa, Cíntia Silva, criminóloga da APAV, destacou que “a prioridade deve ser sempre garantir que os direitos, os interesses e as necessidades das vítimas estão salvaguardados em todas as fases do processo”.
As declarações surgem após dois casos mediáticos de violência filial ocorridos esta semana em Portugal — o homicídio da vereadora de Vagos, Susana Gravato, alegadamente cometido pelo filho de 14 anos, e a tentativa de homicídio do ex-presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, José Manuel Anes, pela filha.
Responsabilidade mediática e impacto social
Segundo a criminóloga, os órgãos de comunicação social “têm um papel determinante na perceção social do crime” e podem influenciar o sentimento de segurança da população. Ao mesmo tempo, alertou que uma cobertura descuidada pode provocar vitimação secundária, obrigando as vítimas a reviver o trauma.
“As nossas recomendações visam reduzir ao máximo o julgamento social. O julgamento deve ocorrer nos tribunais, não nas redes sociais”, sublinhou Cíntia Silva, defendendo uma abordagem mediática sensível, centrada na proteção das pessoas envolvidas.
A especialista enfatizou que “dar voz a quem quer falar é importante, mas é igualmente essencial respeitar quem prefere o silêncio”. A partilha pública pode integrar o processo de recuperação, mas deve decorrer de forma voluntária, segura e protegida.
Privacidade e presunção de inocência
A APAV insiste que a vida privada das vítimas deve ser respeitada, mesmo quando estas decidem partilhar a sua história. “Há pormenores que nunca devem ser expostos. A segurança e o bem-estar das vítimas têm de estar em primeiro lugar”, reforçou a criminóloga.
Cíntia Silva acrescentou que os jornalistas devem evitar juízos de valor e recordar que a presunção de inocência é um princípio fundamental até à sentença transitada em julgado.
A organização recomenda igualmente que entrevistas e recolhas de testemunhos ocorram em ambientes adequados, onde seja possível preservar a intimidade e a segurança das pessoas envolvidas.
Aumento das agressões filiais preocupa especialistas
Entre 2022 e 2024, a APAV registou mais de 2.800 pedidos de ajuda de pais agredidos pelos filhos, um aumento de 27,1% face ao período anterior. Em 2024, foram apoiadas 1.036 vítimas, a maioria enquadrada no crime de violência doméstica.
Apesar de a rede especializada Hope, criada pela APAV em 2013, ter identificado apenas um caso de homicídio de pais por filhos, a tendência geral aponta para um crescimento das situações de violência física e psicológica.
Os motivos são diversos: conflitos financeiros, consumo de substâncias, perturbações mentais e, no caso dos mais jovens, exposição precoce à violência e à tecnologia.








