Franco “Bifo” Berardi, filósofo italiano e mestre em arte contemporânea do desespero, decidiu fechar as contas da humanidade antes do tempo. Anuncia, sem pestanejar, que “a espécie humana não sobreviverá a este século”.
Parece que o prazo de validade da humanidade foi revisto. E nem tivemos direito a aviso no multibanco.
Não satisfeito com o diagnóstico terminal, o filósofo propõe, como remédio paliativo, que nos mantenhamos “alegres e solidários durante a agonia”. Muito bonito. Parece uma frase tirada de uma embalagem de chá orgânico depressivo.
Não se trata de negar que o mundo anda mal. Anda. Mas a pose dramática de Berardi — com olhos de quem já arrumou os livros e espera, estoicamente, o colapso — tem algo de luxuoso. Só alguém que já não precisa de procurar casa nem emprego é que consegue declarar o fim do mundo como quem anuncia o encerramento de um restaurante de autor: com lamento elegante, nostalgia e zero intenção de voltar à cozinha.
Berardi, que outrora agitava consciências, hoje oferece-nos um lençol metafórico para nos deitarmos à espera do fim. Só que, por cá, na terra das contas por pagar, dos autocarros que não passam e dos jovens que fogem para Londres ou para o Luxemburgo, o fim do mundo não é novidade. É mais uma segunda-feira.
Em vez de agonizar com classe, o português típico — esse resistente cívico sem nome nas livrarias — aprendeu a rir-se enquanto empurra a vida com uma mão e segura a marmita com a outra. Falamos de um povo que já enfrentou ditaduras, bancarrotas, pandemias, e ainda teve estômago para ver reality shows em horário nobre.
Querem falar de colapso? Tentem pagar o IMI e o gasóleo na mesma semana. Isso, sim, é um cenário apocalíptico.
Berardi pode ter perdido a esperança na espécie humana. Nós ainda temos esperança no fiambre em promoção e num mês sem greves nos transportes. São pequenos milagres que nos mantêm de pé, mais eficazes que qualquer tese filosófica passada a papel reciclado.
Sim, senhor Berardi, talvez o mundo esteja a acabar. Mas, se faz favor, avise com tempo. Temos que tratar das galinhas, regar os tomates e ir buscar os putos à escola. O apocalipse que espere — há prioridades.
Nota legal e editorial:
Crónica protegida pelos direitos fundamentais à liberdade de expressão, criação artística e crítica social, conforme previstos na Constituição da República Portuguesa. Este texto é uma peça de sátira e opinião, com finalidade literária e humorística. Não pretende injuriar, mas sim provocar reflexão e exercício de pensamento independente.
Fernando Jesus Pires
Jornalista, Diretor do ORegiões e cronista residente