Em Portugal, quase 80 mil urnas funerárias são enterradas anualmente sem qualquer controlo oficial sobre os materiais utilizados, levantando preocupações sobre a contaminação dos solos e das águas subterrâneas. O setor funerário, apesar da crescente atenção à sustentabilidade, enfrenta a falta de regulamentação e fiscalização em relação aos produtos enterrados, o que compromete a saúde ambiental.
De acordo com profissionais do setor, cada ano mais de 115 mil metros quadrados de solo são ocupados por urnas que contêm substâncias poluentes como vernizes, colas, plásticos e metais pesados. Esta situação resulta da ausência de normativas que regulem os materiais utilizados nas urnas enterradas, à exceção das urnas destinadas à cremação.
Em 2023, com base nas estimativas do Instituto Nacional de Estatística (INE), cerca de 119 mil pessoas faleceram em Portugal. Desses, 29 mil corpos foram cremados, enquanto outros 12 mil foram enterrados em jazigos. O restante, cerca de 80 mil corpos, é depositado diretamente na terra, sem qualquer tipo de supervisão sobre os materiais dos quais as urnas são feitas.
Enquanto alguns operadores funerários, como a Servilusa, maior empresa de serviços funerários do país, já se comprometem a utilizar urnas ecológicas desde 2013, muitos ainda utilizam urnas tradicionais feitas de materiais sintéticos e poluentes. De acordo com Paulo Carreira, presidente da Associação Portuguesa dos Profissionais do Setor Funerário (APPSF), a utilização de urnas biodegradáveis é uma prática crescente, embora ainda não seja a norma.
Joaquim Castro, fundador da Joriscastro, uma fábrica de urnas ecológicas em Amarante, lamenta que, apesar de existir uma lei de 1962 que exige urnas biodegradáveis e isentas de produtos tóxicos, ela nunca tenha sido efetivamente aplicada. “A maioria das fábricas ainda usa materiais como vernizes e poliéster, que são prejudiciais ao meio ambiente. Continuamos a enterrar toneladas de produtos tóxicos”, afirma.
A situação revela uma preocupação crescente entre os profissionais do setor sobre os impactos ambientais dos cemitérios. A contaminação dos solos, impulsionada pela decomposição lenta de materiais não biodegradáveis, é uma das principais fontes de alerta. Além disso, a falta de decomposição dos corpos, particularmente quando são utilizados materiais como madeiras aglomeradas e plásticos, pode prolongar o processo natural de degradação, o que representa um desafio adicional para os cemitérios com baixa oxigenação e pouca humidade.
Embora algumas empresas, como a Servilusa, se dediquem à implementação de práticas mais sustentáveis, com urnas que respeitam critérios ecológicos e uso de produtos biodegradáveis, a maioria do setor continua a adotar urnas convencionais. “A sustentabilidade não precisa de ser mais cara, e os clientes não têm reclamado das urnas ‘verdes’. As urnas são iguais em todos os aspectos, mas com menor impacto ambiental”, explica Paulo Carreira.
No entanto, os dados sobre a adopção de urnas ecológicas são preocupantes. Carlos Almeida, presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL), afirma que apenas cerca de 10% das urnas utilizadas no país são de facto sustentáveis. Além disso, a ANEL procura minimizar os danos ambientais através de iniciativas como a reutilização de pacemakers, mas reconhece que a mudança no setor ainda é lenta e enfrenta resistência de algumas autarquias que não demonstram interesse em alterar a situação.
A falta de regulamentação eficaz, aliada à indiferença de algumas entidades governamentais e locais, continua a ser um obstáculo para a implementação de práticas mais ecológicas nos cemitérios portugueses. O setor funerário, apesar de suas iniciativas esparsas, carece de um impulso mais forte por parte das autoridades para garantir que a sustentabilidade ambiental seja levada a sério e não apenas uma preocupação de uma minoria do mercado.