O país viveu, no passado Domingo, a ressaca eleitoral mais estranha desde que Salazar descobriu que as autárquicas também serviam para mandar prender; de facto, pela primeira vez na sua curta, mas ruidosa existência, o Chega teve o seu gosto a derrota. Este partido “maldito”, mas de que toda a gente fala, qual primo bebedolas de casamentos que ninguém convida mas que aparece sempre, mostrou ao mundo que, afinal, pode perder.
Sucede que o Chega, liderado por André Ventura, não gosta de perder, o que é uma banalidade, pois, desde que a espécie humana descobriu o conceito de ‘jogo’, mais ninguém gostou de perder, nem mesmo o ‘filósofo’ grego Tédio de Calamidades, que no seu tratado “Sobre a Arte de Ser um ‘Bom Perdedor’ (e Morrer de Tristeza)” nos legou a pérola: “A derrota é a ‘espinha encravada’ na garganta da vitória futura”. Logo, este Domingo foi dia de ‘extra-direita’ incomodadíssima, com um nível de ‘choro interior’ que só se via nos telejornais quando anunciavam que a sardinha, este ano, estava mais cara.
A Filosofia do ‘Rosto Encolhido’
A grande novidade destas eleições reside no facto de a cara dos militantes e simpatizantes ser, porém, de tristeza, e não daquela raiva, de esgares e ‘pulsação descontrolada’, característica destes partidos, o que nos faz pensar que estamos, enfim, a assistir à primeira ‘tragédia-balcânica’ com música de fundo do Carlos Paião, o que é, no mínimo, um desenvolvimento notável. O seu líder, com a dignidade de quem acabou de descobrir que o carteiro andou a namorar a sua mulher, veio reconhecer as derrotas, numa ‘encenação’ que parecia ter sido coreografada pelo mestre de cerimónias de um velório em dia de chuva miúda. O seu comportamento quase parecia pedir “desculpa”, coisa impensável no seu ‘irmão mais velho’ americano, Donald Trump, ou no espanhol Vox, que preferem dar um pontapé num idoso a dar o braço a torcer, e que, em comparação, fazem o General Custer parecer o ‘primo afastado’ da Mãe Teresa de Calcutá.
O Ponta-Fadista: Melancolia de Mercado
Ora, isto deve pôr-nos a pensar na nova ideologia que emerge, não a extrema-direita musculada e barulhenta, mas a ‘ponta-fadista’, ou a ‘direita lacrimosa’, onde a mágoa tem mais ‘poder de fogo’ do que a indignação, o que nos faz temer que o futuro do radicalismo europeu seja uma espécie de ‘concerto de ukulele’ a horas tardias. É que até um adepto de futebol reage com mais fulgor a uma derrota do que Ventura, cujos ‘ombros curvados’ pareciam carregar o peso de todas as ‘maldições marítimas’ desde o naufrágio da nau “Conceição” em 1555, e que até faziam parecer que o político era, na verdade, o ‘irmão gémeo’ da ‘Mãe de todas as Viúvas de Pescadores’. Algo se passa, e o que se passa é que, finalmente, a extrema-direita descobriu a tristeza, o que, ironicamente, a torna mais humana, mais portuguesa e mais parecida com a ‘vizinha do lado’ que se queixa do preço do gasóleo.
A Esperança Inesperada da Derrota
A ‘ponta-fadista’ tem, contudo, um ‘lado positivo’ inesperado, pois a derrota, quando é sentida com esta ‘melancolia operática’, pode ser o ‘fermento’ para um novo tipo de radicalismo, mais subtil, mais ‘a chorar’ e menos ‘a gritar para o microfone desafinado’. Se continuarmos assim, em vez de manifestações com ‘tochas e ‘barulhos ameaçadores’, teremos ‘marchas lentas’ com ‘lenços de papel’ e discursos em que o principal ‘motor’ da revolta será o ‘arrepio’ que o vento dá na espinha de quem está à espera da ‘subvenção vitalícia’ que tarda em chegar. A grande tragédia da derrota do Chega é que foi tão pacífica e melancólica que, de repente, fez-nos ter ‘saudades’ da ‘velha raiva’, do ‘caos organizado’ e do ‘grito primário’ que até era divertido de se ver na televisão, tal como o ‘cronista anónimo’ da revista “Cárcere Mental” escreveu no seu livro “A Alegria Sombria do Protesto Desorganizado”: “Não há nada mais perigoso do que um ‘agitador’ que aprendeu a chorar.”
O Silêncio do ‘Bode Expiatório’
Perante este ‘silêncio constrangedor’, a grande conclusão que se tira é que a ‘ponta-fadista’ do Chega provou que o ‘discurso da raiva’ tem um ‘prazo de validade’ e que a ‘indignação ‘a frio’’ não mobiliza a ‘troika’ dos descontentes para ir ‘meter a cruz’ no sítio certo. A extrema-direita portuguesa, ao invés de imitar os seus ‘primos europeus’ que parecem ter saído de um ‘filme de cowboys’ em que as ‘armas’ são ‘opiniões incendiárias’, escolheu, finalmente, o ‘caminho do ‘sacrifício’’, da ‘tristeza assumida’ e da ‘derrota teatral’. Por este andar, nas próximas eleições, em vez de ‘conferências de imprensa’, teremos um ‘monólogo existencial’ de Ventura, à luz de velas, com música de Schubert, a lamentar a ‘falta de compreensão’ do eleitorado perante a sua ‘alma mártir’, o que é um ‘final de festa’ muito mais português e, paradoxalmente, muito mais assustador, pois a tristeza, quando bem ‘embalada’, vende sempre muito mais do que a alegria, sendo esta a mais ‘subtil arma’ que a política ‘ponta-fadista’ nos poderia ter dado.