Elizenilde Oliveira chegou a Portugal em junho de 2023 e apresentou a sua manifestação de interesse a 13 de novembro daquele ano. Contudo, não tem ainda título de residência, relatou à Lusa, lembrando que só conseguiu um agendamento na AIMA pagando a uma advogada. Por isso, a imigrante brasileira avançou, este mês, com uma queixa contra o Estado português e a AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo por incumprimento de prazos legais.
A imigrante brasileira Elizenilde Oliveira avançou, este mês, com uma queixa contra o Estado português e a AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo por incumprimento de prazos legais, invocando danos, e pedindo milhares de euros de indemnização.
Segundo a ação, a que a Lusa teve acesso, em causa está o incumprimento de um prazo de 48 horas pelo Tribunal Administrativo de Lisboa “no âmbito de um processo judicial urgente”, que terá “comprometido o direito constitucional da requerente” a uma decisão efetiva em prazo razoável, que permitiria àquela imigrante estar presente no nascimento da sua neta, como explicou à Lusa a sua advogada.
Por outro lado, a ação interposta no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa visa também a AIMA por “inércia” e incumprimento de “prazos legais”, que “violaram os deveres de eficiência e celeridade”, tendo-lhe causado “prejuízos”.
Elizenilde Oliveira chegou a Portugal em junho de 2023 e apresentou a sua manifestação de interesse a 13 de novembro daquele ano. Contudo, não tem ainda título de residência, relatou a própria à Lusa, lembrando que só conseguiu um agendamento na AIMA pagando a uma advogada.
Ainda assim, continua irregular, apesar de trabalhar, com contrato, na cozinha de um restaurante em Fafe, onde vive desde que deixou o Brasil por falta de segurança.
Entre outros danos que a situação lhe tem provocado, destacou o que designa como a sua “maior mágoa”, ou seja, não poder concretizar o sonho de ver a sua primeira neta, logo que nascesse: “Já tem três meses e eu ainda não a conheço. E eu sempre tive o sonho de ter uma neta, menina”.
Isto porque passaram quatro meses até que fosse citada do resultado da ação de intimação para proteção de garantias individuais, colocada em novembro de 2024 pela advogada junto do Tribunal Administrativo para que este ordenasse à AIMA uma decisão sobre o seu pedido no prazo de 10 dias, conforme jurisprudência, de forma a que pudesse passar o Natal com a família e estar presente no nascimento da neta.
Na acção entregue este mês, Elizenilde Oliveira pede que o Estado, representado pelo Ministério Público, e a AIMA sejam julgados e condenados a pagar-lhe como indemnização por danos patrimoniais, nomeadamente, o valor de “um salário mínimo por mês desde a data de sua manifestação de interesse até à data da emissão de seu título de residência, e consequente regularização migratória”, por “não ter obtido melhores condições de trabalho durante todo o tempo de omissão do Estado”.
A imigrante, pede também uma indemnização por danos morais sofridos no mesmo período no montante de 50 mil euros, ou uma quantia “a ser arbitrada” em tribunal, e que se condenem os réus ao pagamento de 5.000 euros, “com correção e juros legais”, respeitantes aos honorários da defesa.
Contactada pela Lusa, fonte oficial do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa confirmou que a ação que a imigrante brasileira moveu contra o Estado português e a AIMA deu entrada naquele tribunal na madrugada do dia 20 deste mês, estando a ser analisados os pressupostos da petição inicial, seguindo-se a fase de citação das partes visadas para que possam responder.
Falta de pessoal não retira responsabilidade civil do Estado
A advogada Simone Marins alertou que a invocação pelos serviços estatais de “muito trabalho e falta de pessoal” para justificar o incumprimento de prazos na regularização dos imigrantes em Portugal não retira “a responsabilidade civil do Estado” perante os cidadãos.
“A gente não pode deixar de lado a responsabilidade do Estado como maior garantidor desses direitos dos imigrantes, principalmente dos fundamentais”, defendeu a advogada, que decidiu, por isso mesmo, e ‘pro bono’, patrocinar uma ação contra o Estado português e a AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo, interposta por uma imigrante brasileira e que deu entrada no passado dia 20 no Tribunal Administrativo de Lisboa.
Com “o excesso de trabalho e falta de pessoal” o Estado vai-se desculpando, “mas, (…) esse é um risco ou um problema que não pode onerar o cidadão ou o imigrante. Ele precisa de ser resolvido pelo Estado”, continuou a jurista.
Além do mais, esse problema “não exime a responsabilidade civil extracontratual, que nesse caso é objetiva”, de responder dentro dos prazos estabelecidos pela lei, sublinhou a advogada, também ela imigrante brasileira em Portugal.
“Para mim, essa causa [a ação contra o Estado e a AIMA] é para dar voz, não só para a minha cliente, mas também para outros imigrantes”, que estão a cumprir os seus deveres e que “de acordo com a Constituição portuguesa e com convenções internacionais devem fazer valer os seus direitos”, realçou numa entrevista à Lusa.
Simone Marins afirmou que, na sua atuação como advogada, tem assistido a “uma repetição de falhas da máquina estatal, não por dolo, mas por falha na estrutura mesmo, que vem desde o SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, já extinto]” até à atual AIMA.
“Com boa intenção, vem-se tentando concertar a reestruturação, e a AIMA, mas permanece essa falha no dever prestacional do Estado para com o direito dos imigrantes, principalmente dos direitos fundamentais e no caso específico, (…) com o real judiciário o direito de acesso à justiça”, afirmou.
No caso específico da sua cliente, com a desculpa de “excesso de trabalho”, o direito que antes estava a ser “deixado de lado pelo órgão administrativo da imigração”, passou a ser também “não garantido com eficácia pelo órgão judiciário”, acrescentou.
A decisão de avançar com a ação contra o Estado aconteceu no dia em que ligou para o tribunal, questionando sobre o porquê do atraso e uma perspetiva de ser despachado o processo sobre uma ação de intimação que tinha dado entrada, e essa informação lhe foi negada, contou.
“Eu gostaria e ter uma informação de, pelo menos, olha está tudo muito atrasado, temos muito trabalho neste momento e estamos despachando processos que deram entrada em janeiro. Mas a informação me foi negada”, afirmou.
Aceitando patrocinar esta ação ‘pro bono’, Simone Marins apresentou um requerimento junto da Segurança Social, para que a sua cliente, uma trabalhadora que aufere o salário mínimo mensal, pudesse ter apoio judiciário e o pedido foi deferido.