Em um gesto contundente, os membros eleitos do Conselho de Redação (CR) do Público apresentaram a sua demissão, acusando a direção editorial do jornal de desrespeitar os valores fundamentais da publicação. A decisão foi comunicada através de um comunicado, a que a Lusa teve acesso, onde os membros do CR denunciaram os repetidos atropelos aos princípios essenciais do jornalismo praticado no Público, apontando o que consideram um “desvio preocupante” na linha editorial do jornal.
Na nota, os demissionários afirmaram que a postura da Direção Editorial (DE) ao ignorar os apelos e preocupações apresentados ao longo do mandato tornou a demissão “inevitável”. Os membros do CR destacaram que as promessas de atenção a algumas questões levantadas durante as reuniões não foram cumpridas, levando a “recidivas” que, segundo consideram, afetam a reputação do jornal e comprometem a qualidade do seu jornalismo.
O comunicado sublinha a persistência de “atropelos aos mais elementares e essenciais valores” que nortearam a redação do Público ao longo da sua história, apontando, em particular, para o processo de desvalorização do CR enquanto órgão de debate. Os membros eleitos manifestaram ainda a frustração com a forma como as suas preocupações foram tratadas pela direção, destacando a falta de coragem e de ação para resolver os problemas identificados.
Os membros do CR denunciaram também o que consideram ser um padrão contraditório na aplicação dos princípios éticos, mencionando que, enquanto se exige um elevado padrão deontológico para o jornal produzido nas secções da redação, esse mesmo nível de exigência não é aplicado a projetos com os quais o jornal é parceiro, como é o caso do Público Brasil. “O jornal deve comprometer-se com o seu Livro de Estilo e, acima de tudo, com o Código Deontológico do Jornalista”, sublinharam.
Entre os pontos críticos levantados, os membros do CR destacaram a cobertura de notícias recentes sobre desaparecimentos e custódias de crianças, que consideram ter sido marcadas por “precipitações e enviesamentos ideológicos ou sensacionalistas”, algo que não passaria “no crivo do Público”. Apesar de diversas interpelações ao diretor e outros membros da direção sobre estas questões, os problemas não foram tratados com a devida atenção, lamentaram.
A insatisfação foi igualmente expressa em relação ao clima de “frustração e indiferença” que, segundo os membros do CR, se instalou na redação, instando a direção a promover uma maior mobilização e um debate mais participativo sobre as orientações estratégicas do jornal. A crise interna foi ainda acentuada pelo processo de rescisões voluntárias, que resultou na saída de 20 trabalhadores, a maioria jornalistas, aumentando as preocupações sobre a “degradação das condições de trabalho” e a falta de um rumo claro para o futuro.
Por fim, os membros do CR reafirmaram a esperança de que, após as próximas eleições, um novo Conselho de Redação possa assumir um papel ativo na reflexão editorial do Público e contribuir para o fortalecimento de um projeto jornalístico essencial para a democracia. “É urgente e imprescindível robustecer a reflexão editorial no jornal, e esperamos que as futuras eleições resultem num Conselho de Redação capaz de influenciar positivamente o jornalismo praticado”, concluem.
O comunicado é assinado pelos membros eleitos do CR: Ana Dias Cordeiro, Camilo Soldado, Inês Nadais, Joana Amaral Cardoso, João Pedro Pincha, Pedro Crisóstomo, Samuel Alemão e Sofia Neves.
Em resposta à demissão, a direção do Público garantiu que está a “escutar com muita atenção” as recomendações do Conselho de Redação e que considera este órgão fundamental para o jornal. A direção afirmou ainda que pretende realizar eleições “no mais curto espaço de tempo” e discutir quaisquer problemas levantados dentro da redação.
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