Francisco instituiu, em 2019, o Domingo da Palavra, da Palavra de Deus. Deve ser bem pensado e preparado para envolver famílias, comunidades, irmandades, confrarias, movimentos, de modo festivo e proveitoso. Ocorre este ano em contexto de Ano Jubilar e sob o lema: “Espero na Tua Palavra”. É uma passagem do Salmo 119, é um grito de esperança de quem, em momento de tribulação, clama por Deus e põe n’Ele a sua esperança. Um dos objetivos do Domingo da Palavra é sensibilizar para a leitura orante da Sagrada Escritura, a qual não pode estar ausente da vida espiritual, dos percursos de formação e dos espaços de oração. Jesus Cristo deu-se a todos de duas formas, dizia o beato Tiago Alberione: “no Evangelho e na Eucaristia. Na Eucaristia é alimento e força, no Evangelho é luz e verdade”. Ir apenas à Comunhão e não prestar atenção à Palavra, será alimento, sim, mas os caminhos da vida também precisam de luz e de verdade, do Evangelho.
Quando, na segunda metade do século V antes de Cristo, o rei da Pérsia, Artaxerxes, enviou Esdras para Jerusalém, onde a violência, a exploração e o mal-estar reinavam, Esdras logo percebe que o caos social se deve ao desconhecimento da Lei. Sem esquecer nada nem ninguém, convoca a assembleia do povo e organiza-a com todo o pormenor. Constrói um estrado para que o leitor seja visto por todos. Uma solenidade sem igual reveste toda a cerimónia. O Livro é levado e aberto com tal majestade que toda a assembleia se levanta em atitude de veneração pelo texto sagrado. A sua proclamação faz-se desde a aurora até ao meio-dia, sem presa. A sua leitura é clara e seguida com toda a atenção, é explicada e compreendida. Todo o povo a escuta, comovido e triste pelo confronto da sua vida com a Palavra que ouve, mas logo sente a alegria da confiança no Senhor que nunca o abandonou. Vale a pena ler este texto de Neemias, escrito há cerca de 2.500 anos:
“Naqueles dias, todo o povo, como se fosse uma única pessoa, reuniu-se na praça que fica em frente da porta das Águas. O povo pediu que Esdras, doutor da Lei, trouxesse o livro da Lei de Moisés, que Deus tinha dado a Israel. Então, o sacerdote Esdras trouxe o Livro da Lei perante a assembleia de homens e mulheres e todos os que eram capazes de compreender. Era o primeiro dia do sétimo mês. Desde a aurora até ao meio-dia, fez a leitura do Livro, no largo situado diante da Porta das Águas, diante dos homens e mulheres e todos os que eram capazes de compreender. Todo o povo ouvia atentamente a leitura do Livro da Lei. Esdras, doutor da Lei, estava de pé num estrado de madeira feito de propósito. Estando assim em plano superior a todo o povo, Esdras abriu o Livro à vista de todo o povo, pois estava em lugar mais alto. Quando abriu o livro, todo o povo se levantou. Então, Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus, e todos responderam, erguendo as mãos: “Ámen! Ámen!”. Depois, ajoelharam-se e prostrando-se de rosto por terra, adoraram o Senhor. Os levitas liam, clara e distintamente, o Livro da Lei de Deus e explicavam o seu sentido, de maneira que o povo compreendesse a leitura. Então, o governador Neemias, o sacerdote e doutor da Lei, Esdras, bem como os levitas que ensinavam o povo, vendo que todo o povo chorava ao escutar as palavras da Lei, disseram: “Hoje é um dia consagrado ao Senhor vosso Deus. Não vos entristeçais nem choreis”. Depois, Neemias acrescentou: “Ide para vossas casas, comei uma boa refeição, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que não têm nada preparado. Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza. E o povo foi para casa comer e beber. Repartiram com quem não tinha nada e fizeram uma grande festa, porque haviam compreendido a mensagem que lhes fora explicada” (cf. Neemias, 8, 1-13).
Quando todos ouvem e compreendem a Palavra de Deus aplicada à sua situação concreta e à concreta situação da comunidade, essa Palavra gera nova maneira de ser, de estar e agir. Conduz à partilha, à prática da justiça, à comunhão, à alegria de viver. O Salmo 119 afirma que a Palavra ‘faz viver’, ‘faz levantar’, ‘é estável’’, ‘é lâmpada para os meus passos’, é ‘luz para o meu caminho’, ‘faz que os meus caminhos sejam firmes’. São Paulo, por sua vez, diz que ela é “adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça” (2Tm 3, 16-17). E a Carta aos Hebreus refere-a como “viva e eficaz, mais penetrante que uma espada de dois gumes” (Hb 4,12). Desde que entendida, ela aperfeiçoa, limpa, santifica, liberta, discerne os pensamentos e os propósitos do coração de cada um, fala ao homem de cada tempo, em cada lugar e circunstância.