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Democracia à Prova: Entre o Cansaço e o Perigo da Intolerância

Vivemos um tempo estranho em que a democracia, conquistada com sacrifício e esperança, parece ser tratada como um produto descartável. Os recentes outdoors do partido CHEGA — com frases como “Isto não é o Bangladesh” e “Os ciganos têm de cumprir a lei” — não são apenas mensagens políticas. São sinais de um discurso que procura dividir, provocar e alimentar ressentimentos num país que, mais do que nunca, precisa de união e decência pública.

Em democracia, há espaço para a diferença de ideias e para a crítica. O que não pode existir é a banalização do insulto e da intolerância. A liberdade de expressão, valor maior de Abril, não foi criada para servir de megafone ao preconceito. É um direito que exige responsabilidade, sobretudo quando exercido por quem ambiciona governar.

O crescimento do CHEGA não surgiu por acaso. Resulta, em boa parte, do cansaço de um povo que se sente esquecido, farto de promessas adiadas e de uma classe política que se habituou a viver num conforto que já não representa o país real. Durante oito anos, o Partido Socialista liderado por António Costa governou com maioria e estabilidade. Contudo, para muitos cidadãos, o poder confundiu-se com rotina e afastamento. As viagens, os gestos mediáticos e as cumplicidades institucionais entre António Costa, Ferro Rodrigues e Marcelo Rebelo de Sousa deram ao país a imagem de um poder autossatisfeito, distante dos problemas de quem trabalha e vive com dificuldades.

Neste vazio de confiança, o populismo encontrou terreno fértil. André Ventura soube captar o descontentamento e transformá-lo em bandeira. Mas o método escolhido — o da provocação sistemática e da nostalgia autoritária — é um perigo para o regime democrático. Quando o líder de um partido com assento parlamentar declara que Portugal precisa de “três Salazares” e critica os valores de Abril, ultrapassa o limite do debate político. Não é apenas uma opinião controversa; é uma afronta à Constituição e à memória coletiva de um povo que lutou contra o medo e a censura.

É preocupante assistir ao regresso de símbolos e discursos que evocam tempos sombrios. O salazarismo não é uma solução, é uma ferida. E quem o invoca como exemplo demonstra ignorância ou desprezo pelo sofrimento que causou. O país não precisa de regressar ao passado. Precisa de enfrentar o presente com coragem, decência e verdade.

A responsabilidade não é só de quem fala alto, mas também de quem se cala. A comunicação social, os partidos democráticos e a sociedade civil têm o dever de recusar a normalização do populismo e do discurso de ódio. O silêncio é cúmplice. A neutralidade, neste caso, é ilusão perigosa.

Portugal vive hoje um momento de escolha moral. Pode continuar a ser a democracia imperfeita, mas livre, que nasceu em Abril de 1974, ou pode deixar-se seduzir por quem promete ordem à custa da liberdade.

No ORegiões, afirmamos sem hesitação: nenhuma crise política, económica ou social justifica a degradação da convivência democrática. Nenhuma frustração legitima a discriminação. E nenhum líder, por mais eloquente que se apresente, deve ter o poder de reescrever os valores que nos definem como país livre.

Os tempos exigem firmeza, memória e lucidez. Abril não é passado — é um compromisso diário. E esse compromisso, caro leitor, começa por não aceitar que o medo volte a ser a língua oficial de Portugal.

Fernando Jesus Pires
Diretor do Jornal O Regiões

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Fernando Jesus Pires
Fernando Jesus Pireshttps://oregioes.pt/fotojornalista-fernando-pires-jesus/
Jornalista há 35 anos, trabalhou como enviado especial em Macau, República Popular da China, Tailândia, Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul e Paralelo 38, Espanha, Andorra, França, Marrocos, Argélia, Sahara e Mauritânia.

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