EDITORIAL
Por Fernando Jesus Pires
Diretor do jornal independente ORegiões
Lisboa viveu, nesta semana, uma das suas maiores tragédias urbanas em memória recente. O descarrilamento do Elevador da Glória — ícone centenário do turismo lisboeta e património cultural da cidade — resultou em 16 mortos e 21 feridos até ao momento. A dor é profunda, o luto é nacional. Mas, para além do sofrimento das vítimas e das suas famílias, impõe-se uma pergunta que a cidade, o país e a consciência democrática não podem ignorar: e agora, Carlos Moedas?
A responsabilidade política por uma tragédia com esta dimensão não se esconde atrás de relatórios técnicos ou da espera por investigações. Ela impõe-se, mesmo na ausência de culpa directa, como expressão máxima do dever de representação, tutela e transparência.
Carlos Moedas é, neste momento, o rosto institucional da cidade. A proximidade das eleições autárquicas, marcadas para 12 de Outubro, não pode servir de argumento para o silêncio político ou para uma postura de mera gestão da crise. A cidade exige uma atitude consequente, firme e eticamente responsável.
Recordemos o gesto corajoso de Jorge Coelho, então ministro do Equipamento Social, em 2001. Após a queda da ponte de Entre-os-Rios, que vitimou 59 pessoas, não esperou por inquéritos nem escudou-se em justificações burocráticas. Demitiu-se, dizendo com clareza: “Não ficaria bem com a minha consciência se não o fizesse.” Fê-lo com dignidade. Fê-lo por respeito às vítimas. Fê-lo por respeito à democracia.
Não se pede aqui um espetáculo político. Pede-se uma resposta política. E essa resposta, nos regimes democráticos maduros, traduz-se em actos com consequências. A eventual decisão de Carlos Moedas em permanecer no cargo, como se este desastre não comprometesse a confiança nas estruturas da cidade que lidera, representaria uma perigosa normalização do inaceitável.
O Elevador da Glória não é apenas um meio de transporte. É símbolo de Lisboa, da sua história e da sua projecção internacional. O seu colapso físico representa, em paralelo, o colapso de um sistema de manutenção, supervisão e responsabilização que deveria garantir a segurança dos cidadãos e visitantes.
Não é apenas a Carris que deve explicações. A tutela política da infraestrutura é da responsabilidade do município. E quando essa responsabilidade falha, o mínimo que se exige é a assunção de consequências. Não com palavras. Com actos.
Carlos Moedas enfrenta, hoje, um momento decisivo na sua carreira política. Pode optar pelo cálculo eleitoral e pela gestão mediática da tragédia. Ou pode escolher a via mais difícil, mas também a mais honesta: reconhecer a gravidade do que ocorreu e retirar daí as devidas conclusões políticas, incluindo a sua demissão.
Este editorial não acusa, não julga, não condena. Mas exige. Porque é isso que os cidadãos esperam de um jornal independente como o ORegiões. E, sobretudo, porque é isso que as 16 vidas perdidas merecem: respeito, memória e dignidade política.
Fernando Jesus Pires
Diretor, ORegiões
Nota da redação: Este editorial respeita a presunção de inocência e baseia-se em factos publicamente conhecidos à data da sua publicação. Qualquer responsabilização técnica ou penal será determinada pelas autoridades competentes. Este texto reflete a posição editorial do jornal ORegiões, enquanto órgão de imprensa independente ao serviço da transparência e da cidadania democrática.