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Editorial *  | Que futuro estamos a construir?

O início de um novo ano letivo costuma trazer consigo a esperança de um recomeço: novos professores, novos manuais, novos projetos e expectativas. No entanto, este setembro abre também com velhas inquietações. Segundo a Fenprof, cerca de 93 mil alunos começam o ano sem professor atribuído a todas as disciplinas — um dado que, por si só, já deveria alarmar pais, escolas e governantes. Mas a falta de docentes é apenas a ponta de um iceberg que mergulha em águas muito mais profundas

O problema da educação em Portugal não se resume ao número de professores em falta. O que está em causa é uma conceção de sociedade que, em vez de colocar a criança no centro do processo educativo, tende a transformá-la em peça de engrenagem de um sistema produtivo extenuante e desajustado. Por isso, mais do que apontar falhas, importa refletir: que modelo de ser humano e de sociedade queremos construir?

Jornadas intermináveis e infância roubada

Muitas crianças passam hoje doze horas por dia fora de casa, das 8h às 20h, repartidas entre aulas, atividades extracurriculares, apoio ao estudo e ATL. O tempo livre — aquele que deveria ser dedicado a brincar, conviver, imaginar e simplesmente ser criança — encolhe até se tornar quase inexistente. As escolas, em vez de espaço de descoberta, arriscam tornar-se uma extensão do horário laboral dos pais.

A situação não acontece por acaso. Vivemos numa sociedade em que a sobrevivência de uma família depende, quase inevitavelmente, do trabalho de dois adultos em regime de tempo inteiro. O custo da habitação, das prestações bancárias, da energia e dos bens essenciais força muitas vezes os pais a acumular mais do que um emprego. O resultado é paradoxal: os pais trabalham para sustentar os filhos, mas não têm tempo para os educar nem para partilhar com eles a vida quotidiana.

Pergunta-se: que laços familiares restam quando o encontro se resume ao jantar apressado e ao beijo de boa-noite?

A ilusão do “quanto mais, melhor”

Perante este cenário, o Ministério da Educação responde com mais disciplinas, mais carga horária, mais matérias. Parte-se do pressuposto de que quanto mais informação for transmitida, melhor preparados estarão os alunos. O erro é evidente: aprender não é acumular, mas integrar. O excesso não gera conhecimento; gera exaustão.

Em vez de libertar as crianças, a escola prende-as a um sistema que valoriza rankings e estatísticas acima do desenvolvimento humano. A obsessão com classificações numéricas — reforçada por comparações familiares e escolares — conduz a um ambiente de constante pressão. As notas tornam-se sinónimo de valor pessoal, e o mal-estar psicológico instala-se cada vez mais cedo.

A sociedade que mudou — e a que se recusa a mudar

É importante recordar que nem sempre foi assim. Antes da Revolução Industrial, a figura paterna era, na maioria dos casos, o único provedor do lar, enquanto as mães assumiam a educação direta dos filhos. Com a entrada massiva da mulher no mercado de trabalho, sobretudo no século XX, a estrutura familiar transformou-se profundamente. Porém, em vez de ajustar o modelo laboral e educativo a essa nova realidade, a sociedade limitou-se a sobrecarregar ambos os géneros, perpetuando uma corrida sem linha de chegada.

Uma solução óbvia — ainda que difícil de admitir por governos e empregadores — seria permitir que, em cada agregado, um dos adultos pudesse trabalhar menos horas, sem perda de remuneração, enquanto o outro assumisse um horário mais alargado, de forma rotativa. Assim se devolveria às famílias aquilo que nunca deveria ter sido perdido: tempo para educar e cuidar.

Os benefícios seriam incalculáveis: crianças mais seguras, pais mais realizados, laços afetivos sólidos e, a longo prazo, cidadãos mais equilibrados e preparados para construir uma sociedade saudável.

Reformar para valorizar o humano

Reduzir o número de disciplinas, alargar os intervalos, devolver tempo para brincar, estimular áreas de interesse natural desde a educação pré-escolar — estas medidas são mais do que pedagógicas, são civilizacionais. Em vez de obrigar todas as crianças a escrever precocemente ou a decorar fórmulas, porque não valorizar o desenho, a música, a criatividade ou a oralidade?

Como professora, ouso dizer algo que contraria a máxima tantas vezes repetida: não somos todos iguais e, por isso, não devemos ser tratados de igual modo. Uns precisam de mais afeto, outros de firmeza; uns exigem estímulo criativo, outros disciplina focada. Educar é, antes de tudo, reconhecer a singularidade de cada aluno e acompanhá-lo de acordo com as suas necessidades.

Mas o sistema insiste em uniformizar. Só a partir do sétimo ano se permite uma mínima diferenciação de percursos. Até lá, todos são moldados pela mesma grelha, como se o futuro engenheiro e o futuro pintor tivessem de percorrer exatamente o mesmo trilho. Que desperdício de talentos!

O preço do abandono afetivo

Não se trata apenas de currículo, mas de valores. Num mundo em que as crianças crescem entregues a tablets e computadores, sem espaço para afetos consistentes, arrisca-se a formar uma geração desligada da empatia, incapaz de estabelecer vínculos, pouco preparada para os desafios coletivos.

Que adultos se tornarão estes jovens? Que líderes, que cidadãos, que pais serão, se nunca lhes foi dado o exemplo de uma família presente e de uma escola humanizadora?

Confesso: a resposta causa-me apreensão.

O apelo necessário

A educação é, antes de mais, um investimento na própria sociedade. Por isso, é urgente que as políticas públicas se libertem da visão estreita dos números e das estatísticas. A mudança começa no seio do agregado familiar: menos horas de trabalho, salários dignos, mais tempo para os filhos. Prossegue nas escolas: menos disciplinas, mais brincar, mais estímulo individual, mais valores humanos.

Se queremos adultos críticos, criativos e com carácter, é na infância que devemos plantar essas sementes. Não há sociedade futura sem uma infância vivida em plenitude.

Pais, professores, governantes e cidadãos: a questão não é apenas como educamos as crianças de hoje, mas sobretudo que sociedade queremos para amanhã!

 

* Chefe de Redação e Editora:  Anabela Beirão

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