A aprovação de uma moção de censura ao Governo ou o chumbo de uma moção de confiança implicam necessariamente a queda do Governo – mas não necessariamente eleições antecipadas. Esta quarta-feira, durante a discussão da moção de censura apresentada pelo PCP, o Governo revelou que vai avançar com uma moção de confiança. Com o chumbo anunciado de PS e Chega, há cenário aberto para a antecipação das eleições legislativas, o que ainda depende de Marcelo Rebelo de Sousa que, coerente “consigo próprio”, irá convocar eleições antecipadas.
Tal como previsto, a moção de censura apresentada pelo PCP acabou chumbada com a abstenção do PS e do Chega, e os votos contra do PSD, CDS-PP e Iniciativa Liberal. Os partidos à esquerda e o PAN votaram a favor.
O debate fica, no entanto, marcado pelo anúncio de Luís Montenegro de que o Governo vai apresentar uma moção de confiança, apesar de Pedro Nuno Santos já ter garantido que o PS não viabiliza moções de confiança. O país fica, assim, à beira de eleições antecipadas um ano depois das últimas legislativas, a 10 de março de 2024.
“O país precisa de clarificação política e este é o momento”, afirmou o líder do Executivo português, tendo apontado que “terá de ser o povo a clarificar a sua vontade e a dizer o que quer para o seu futuro”. Pelo que, acrescentou, a “antecipação das eleições é um mal necessário”.
Sobre a grande possibilidade de o Governo que lidera não conseguir sobreviver à referida moção de confiança – o que levaria à queda do atual Executivo –, notou que “se os partidos da oposição não assumem a legitimidade do Governo para governar, mais vale dois meses de instabilidade do que um ano e meio de degradação”.
Quando os deputados forem chamados a votar terão de expressar se confiam no Governo ou não. Se existir maioria no sentido da rejeição, isso irá determinar a queda do Governo.
Montenegro disse ainda que o país “não pode ficar prisioneiro do egoísmo ou taticismo dos responsáveis da oposição”, a quem atribuiu a culpa pela situação de instabilidade política que atualmente existe.
Isto depois de o líder do PCP, Paulo Raimundo, ter indicado que os “factos até hoje conhecidos” sobre os negócios da família de Montenegro – que motivaram a moção de censura – eram já “bastantes para concluir que o Governo não tem condições para se manter em funções”.
Derrubar o Governo
A moção de censura dos comunistas, intitulada “travar a degradação da situação nacional, por uma política alternativa de progresso e desenvolvimento”, assume que tinha como objetivo derrubar o Governo.
“O Governo não tem condições para se manter em funções”, disse Paulo Raimundo, considerando que qualquer esclarecimento adicional que o primeiro-ministro possa dar não alterará esse desfecho “inevitável”.
“Nada do que venha agora a dizer altera os factos até hoje conhecidos e que são, por si só, bastantes para concluir que o Governo não tem condições para se manter em funções”, defendeu Raimundo, acusando o primeiro-ministro de “falta de coragem” para avançar com a moção de confiança.
“Um mal necessário”
Mas o debate ainda estava no início quando Montenegro anunciou que vai avançar com a moção de confiança, depois de ter acenado com a mesma no discurso ao país no sábado, afirmando que “o país precisa de clarificação política e este é o momento”.
“Não ficando claro, como resulta das intervenções dos maiores partidos da oposição, que o Parlamento dá todas as condições ao Governo para executar o seu programa, avançaremos para a última oportunidade de o fazer, que é a aprovação de um voto de confiança”, anunciou.
“Seria inaceitável – porque contrário ao interesse nacional, – que um partido político reiteradamente inviabilizasse moções de censura e depois continuasse a alimentar um clima de suspeição, e que o fizesse com a intenção declarada de contaminar o ambiente político com o último e único fito de desgastar o Governo e o primeiro-ministro”, acrescentou Luís Montenegro, numa crítica ao maior partido da oposição.
O primeiro-ministro garantiu que o seu Governo “não se furta ao escrutínio em todos os domínios” e admitiu a que novas eleições podem ser “um mal necessário”.
Obrigar “o Governo a vir a jogo”
Paulo Raimundo ironizou sobre o facto de alguns partidos terem dito que esta moção do PCP “era para salvar o Governo”, afirmando que afinal “obrigou o Governo a vir a jogo” e a apresentar uma moção de confiança.
“Quem passou os últimos dias a afirmar que a moção do PCP era para salvar o Governo e para dispensar uma moção de confiança, deve estar agora ruído e a pensar que valeu a pena a moção de censura do PCP”, afirmou.
António Filipe, deputado do PCP, lançou mesmo um desafio ao PS: “Aprovem a moção de censura para pouparmos o Governo ao embaraço de ver a moção de confiança rejeitada”.
“Será preciso uma CPI para perceber que não tem quaisquer condições para continuar em funções? Qual é a parte que os deputados do PS não perceberam?”, questionou.
Atirar país para eleições
Por sua vez, o secretário-geral do PS anunciou que vai votar contra a moção de confiança, considerando que a “responsabilidade da instabilidade política é do primeiro-ministro”.
Pedro Nuno Santos acusou o primeiro-ministro de preferir “atirar o país para eleições a dar explicações para fugir a uma comissão parlamentar de inquérito (CPI)”.
“Entre fechar a empresa e dar explicações ou calar o parlamento, o senhor primeiro-ministro optou por calar o Parlamento”, continuou, acusando Montenegro de “fugir das explicações como o diabo foge da cruz”.
O presidente do Chega, André Ventura, também anunciou que vai votar contra a moção de confiança, afirmando que o partido jamais lhe “dará qualquer voto de confiança”.
Na opinião de André Ventura, o primeiro-ministro anunciou uma moção de confiança por ter “medo do escrutínio e da avaliação parlamentar”. “Escolheu uma fuga para a frente com medo de ser escrutinado pelo parlamento”, acusou o líder do Chega.
Governo desafia PS a abster-se na moção de confiança
Na sua intervenção no Parlamento, o ministro dos Negócios Estrangeiros desafiou o PS a abster-se na moção de confiança “se quer tanto” uma comissão parlamentar de inquérito sobre a situação do primeiro-ministro relativa à empresa Spinumviva.
Paulo Rangel acusou o PS de apenas ter proposto uma comissão parlamentar de inquérito quando percebeu que a moção de confiança do Governo iria mesmo avançar.
O ministro dos Negócios Estrangeiros acusou ainda o Partido Socialista de ter “inventado” a comissão de inquérito, quando já confirmou “todos os factos que quer investigar”. “Se tem conclusões para que quer a comissão?”, questionou.
“Senhores deputados do PS, se querem tanto a Comissão Parlamentar de Inquérito, têm bom remédio, abstenham-se no voto de confiança e começa a inquirição daqui a 15 dias”, desafios.
Se o Governo solicitar à Assembleia da República a aprovação de um voto de confiança, a discussão iniciar-se-á no terceiro dia parlamentar subsequente à apresentação ao Presidente da Assembleia da República do requerimento do voto de confiança.
Ao contrário da moção de censura, que só é aprovada com a maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (116 deputados), uma moção de confiança apenas necessita de maioria simples, mais votos a favor do que contra.
A rejeição de uma moção de confiança implica a demissão do Governo, estabelece o Regimento da Assembleia da República. A confirmar-se este cenário, o XXIV Governo, liderado por Luís Montenegro, poderá ser o segundo executivo a cair na sequência da apresentação de uma moção de confiança, depois da queda do I Governo Constitucional, em 1977, dirigido pelo socialista Mário Soares.
Caso o Presidente da República opte por dissolver a Assembleia da República, as eleições podem acontecer num prazo máximo de 55 dias após a dissolução da Assembleia da República, segundo a Comissão Nacional de Eleições.
Contas feitas, se Luís Montenegro se demitir, o Governo cair e Marcelo Rebelo de Sousa dissolver o Parlamento ainda em março, as eleições têm de acontecer até ao final de abril. A data da eleição é marcada por decreto do Presidente da República. Não existindo qualquer tipo de conflito com as autárquicas.