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EXCLUSIVO: Pais acusam Tribunais de Castelo Branco de negar visitas aos filhos

Estes três pais estão em batalha jurídica pelo direito de visita aos seus filhos e filhas, cujo direito lhes foi negado pelos Tribunais a pedido do Ministério Público (MP). Em comum têm sempre o mesmo Procurador do MP, segundo testemunhos a que O REGIÕES teve acesso

O REGIÕES contactou insistentemente os Tribunais de Família de Castelo Branco, Guarda e Covilhã, a Segurança Social distrital e os Juízos de Tribunal de Família, sem sucesso, durante dois meses.

Os pais queixosos dizem que as crianças acabam, muitas vezes, institucionalizadas nas Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS) que estão sob o projecto CAFAP, “Entre Famílias”: um projecto nacional que serve para acolher crianças quando os pais não apresentam condições de cuidar dos filhos menores.

António S., desesperado, conta à torreira do sol que já não sabe que fazer: «Falo com a criança por videochamada. Ela diz-me que quer voltar para casa, que quer estar comigo, que quer vir viver comigo», diz, desfeito em lágrimas. Saca do telemóvel e, através de vídeos guardados, faz prova do que disse. O doce olhar de uma criança, lancinante e infeliz, conta mais história do que as palavras. “Já mudei de advogado, já pedi os recursos todos, já não sei o que hei-de fazer para poder, sequer, passar um fim-de-semana com as crianças. Maldito dia”, suspira, pensando na progenitora e no «macabro Procurador» que fez tudo, diz, para que fossem institucionalizadas as suas filhas, antes de lhe dar hipótese de estar com elas. O processo, com mais de 600 páginas, a que OREGIÕES teve acesso, mostram uma batalha judicial sem tréguas, mas de onde o pai sai eterno derrotado. «Já pensei muitas coisas, já me passaram pela cabeça muitas coisas, mas amo as minhas filhas. Nunca faria nada que as prejudicasse». Tem tentado contactar quase-nada com a mãe das crianças, mas a sua ânsia de saber como é o dia-a-dia das menores sobrepõe-se em conversas que, admite, «por vezes, são duras». «Está aqui em causa o superior interesse da criança. Ora, se já dizem que querem estar com o pai, como é que um Procurador ou um Juiz ou Juíza não levam isso em conta? Não são humanos?», questiona-se, desviando o olhar para longe, na tentativa de conter lágrimas. Devastado, aperta a mão aos nossos repórteres e segue caminho, sempre com centelha de esperança.

A Comissão Nacional de Protecção de Jovens e menores (CPCJ) respondeu, mas remeteu pormenores para a sua delegação regional. Já o Juiz Presidente da Comarca despachou contra qualquer resposta, remetendo os nossos repórteres para a Procuradoria Geral da República. Esta respondeu dizendo precisar de elementos locais para poder responder cabalmente.

Guarda e Castelo Branco sem dados

Na leitura dos números estatísticos, relatórios recentes mencionam a actividade das CPCJ em distritos como Castelo Branco e Guarda. Um relatório da APAV de 2024 indica que Castelo Branco registou oito casos de vítimas (0,07% do total). A CPCJ da Guarda registou 77 situações de perigo comunicadas em 2020. Contudo, estes dados referem-se a comunicações de perigo, e não a estatísticas de contestações de decisões judiciais — que não “existem” em estatísticas públicas.

Pais, em particular os pais (masculinos), frequentemente relatam sentir-se «impotentes» quando as tentativas de comunicação com o outro progenitor sobre o acesso aos filhos falham. Nestas situações, podem recorrer a autoridades como o Conselho Tutelar (embora este seja um termo brasileiro, o conceito de um conselho de protecção da criança aplica-se em Portugal através das CPCJ) para intervenção.  

Os desafios incluem a dificuldade em provar, pelo MP, ofensas verbais e psicológicas, as quais são “extremamente difíceis de provar” a menos que sejam graves. A documentação de todas as interacções relevantes, incluindo visitas e obrigações financeiras, é crucial para fundamentar as queixas.  

Um caso mais

Vicente O. está na mesma situação. «Nem me fale dos Tribunais. Possibilitam defender as mães, não as crianças», começa, com raiva nos dentes, este pai afastado do filho. «Tudo não passou de uma autêntica palhaçada. Um homem, por ser homem, é logo mal visto pela CPCJ, pelo Juízo e por um Procurador que parece ficar contente em entregar o tempo dos pais homens a uma instituição», dispara, fora de si, mas com a verdade na boca. «Sei perfeitamente os meus direitos e do meu filho. Sei que tem idade para ser ouvido. É verdade que, devido ao meu horário de trabalho, não tenho condições para ficar com ele. Não refiz a minha vida com outra pessoa, como fez a mãe dele. Mas isso não devia bastar para prender, oiça bem, prender o meu filho na CAFAP, no tempo que deve ser meu». Vicente irrita-se ainda mais. Ao contrário de António, que passou por caminhos das pedras jurídicas, a deste pai ainda vai a meio. E desabafa uma ideia rara que lhe passou pela cabeça: «Senti que era o Ministério Público e aquele Procurador que mandava em tudo. Senti isso, não me pergunte por quê – se tenho razão, se estou errado, ou se há algum gato com rabo de fora», alega o queixoso, sentimental, aos nossos repórteres.

Associações como a APIPDF recolhem “histórias reais de conflitos parentais que tenham prejudicado os filhos” devido a comportamentos alienantes, sentenças judiciais, violência psicológica ou tratamento desigual por parte de entidades oficiais. Estas associações também destacam a questão das mães que fazem inúmeras chamadas telefónicas durante o período de visita do pai, o que é percebido como uma forma de controlo e de desqualificação do papel do pai. Testemunhos revelam cenários complexos, como o caso de uma mãe que acusa o pai de maus-tratos após abandonar o lar familiar, levando à separação e à luta do pai pelo acesso.  

Provar inocência é difícil

O tema recorrente da “impotência” e a dificuldade em provar “ofensas verbais e psicológicas” evidenciam uma lacuna probatória significativa em casos de conflito parental, especialmente aqueles que envolvem alienação. Isto sugere que o sistema legal pode estar mais apto a lidar com provas tangíveis de dano físico do que com a natureza subtil e insidiosa da manipulação psicológica.

A dificuldade em recolher e apresentar provas robustas de dano psicológico contribui directamente para os pais sentirem que as suas queixas não têm sucesso.

Esta percepção de falta de justiça pode levar à frustração, ao afastamento do sistema formal ou à dependência de grupos de defesa para amplificar as suas vozes, em vez de alcançar uma resolução através dos canais legais. As narrativas de associações servem como evidência qualitativa deste desafio sistémico. Isto implica a necessidade de mecanismos de apoio legal e social mais ajustados às nuances do dano psicológico e emocional em disputas familiares. Poderá envolver avaliações psicológicas forenses especializadas, melhor formação para profissionais do Direito na identificação de formas subtis de manipulação e maior ênfase em mecanismos de resolução de litígios extrajudiciais que priorizem o bem-estar emocional da criança, em detrimento de batalhas legais adversariais. A dependência de testemunhos pessoais por parte das associações também aponta para uma lacuna na recolha de dados oficiais sobre os resultados das queixas parentais, em particular as consideradas sem sucesso.  

O desespero de José R.

O Albicastrense José R. até já pensou na morte, mas julgou-a uma parvoíce. «Se me suicidasse não fazia bem aos meus filhos, que amo». Num discreto café nos arredores de Castelo Branco, José aparenta ser um homem calmo, enquanto se faz conversa de circunstância até chegar ao tema. Culto, dedicado à família, sempre quis a paz. «Queria, mas não consegui. Tanto que a criança acabou por ser proibida de me ver. Ou melhor, ao contrário, eu é que fui proibido de estar com ela». E, às primeiras palavras sobre o caso, senta-se direito na cadeira, franze o sobrolho e prepara-se, como se tivesse voltado ao banco de Tribunal. «Não compreendo uma justiça que acusa sem provas, que diz coisas que são totalmente mentira, todas desmontadas pelos advogados que paguei e, depois, como se tivesse caído uma magia sei lá de onde, vira-se tudo ao contrário…», conta com pormenor este jovem pai. Quando os nossos repórteres lhe dizem haver outros homens a ter a luta dele, é claro: «Ai sim? Não sabia. Sabia que, parece, no Fundão e na Covilhã isto também acontece. Mas amigos meus de Lisboa, que se divorciaram e perderam a guarda partilhada, dizem-me que os Tribunais são todos uma chusma que estão sempre com as mamãs. Acredito neles, devido ao que nos aconteceu». Indagado se se lembrava quem foram os responsáveis da decisão, além do natural parecer da CCPJ, recorda: «Lembro-me bem, mas de quem mais me lembro é do Procurador do Ministério Público. Esse dizia o que queria e inventava, parecia envenenado pela minha ex-mulher. Lá o meritíssimo ainda torceu o nariz, mas não tive hipótese perante tanta coisa que ali se passava. Agora, se quero visitar a criança, tenho de conduzir quase 60 quilómetros, ao fim-de-semana — e é se quero. Numa salinha, vigiado». Sente-se um criminoso: «Ora, isto parece uma daquelas séries em que só se pode falar com o preso com um polícia a ver. Sinto-me tão mal que nem imagina».

E onde anda, agora, o filho? «Foi entregue ao ‘Entre Famílias’, um programa nacional da Segurança Social que depois é entregue a IPSS em todo o país. Julgo que há no Fundão e em Castelo Branco, mas podem trocar as crianças entre eles, se não houver vagas. Eu até percebo isso para casos graves, para pais bêbados, drogados, violentos. Agora, para pessoas normais? Se tivesse dinheiro e poder já tinha metido um processo por difamação, só pelo que ouvi em Tribunal». José não pensa, agora, em continuar a luta. «Não fiz queixas em lado nenhum. Calei-me, com medo de me tirarem o último direito que me resta», conclui.

*com João Vasco Almeida

N.R. — Esta é a primeira parte de uma Grande Reportagem de Investigação que O REGIÕES está a levar a cabo. O verdadeiro nome dos progenitores foi alterado para sua protecção e protecção dos menores.

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