Quatro dias depois da fuga de cinco reclusos de Vale de Judeus, a ministra da Justiça avançou com duas demissões, duas auditorias e a confirmação de mais negociações com os guardas prisionais. A ministra da Justiça Rita Alarcão Júdice não poupou nos adjetivos para referir a “cadeia sucessiva de erros e falhas graves, grosseiras inaceitáveis” e, que pretende, serem “irrepetíveis”.
Rita Júdice anunciou quatro medidas na sequência da fuga dos cinco reclusos de Vale de Judeus, no último sábado. Começou por avançar com duas demissões — a do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), Rui Abrunhosa Gonçalves, que será substituído pela até aqui subdiretora-Geral, Isabel Leitão; mas também a do subdiretor Geral com o pelouro dos Estabelecimentos Prisionais (EP).
Seguiram-se duas auditorias — uma a todas as 49 prisões do país, cujos resultados vão demorar mais de três meses a chegar (até ao fim do ano); e uma outra, ao nível da “gestão”, a todo o sistema prisional, para avaliar a organização e necessidade de recursos (que será bastante mais demorada). E, por fim, garantiu a continuidade das negociações com os sindicatos dos guardas prisionais, para chegar a acordo sobre o modelo de desempenho, depois de terem acertado os suplementos contratuais.
A ministra da Justiça justificou ainda não se ter pronunciado antes sobre a fuga de cinco reclusos da cadeia de Vale dos Judeus, ocorrida no sábado, com a necessidade de dar “espaço à investigação” do caso.
Rita Júdice considerou que “a fuga de cinco reclusos em plena luz do dia, com ajuda externa, saltando dois muros, um deles com seis metros, é de uma gravidade extrema que não podemos ignorar”. Em conferência de imprensa em Lisboa, a ministra analisou o relatório sobre a fuga, ocorrida na manhã de sábado passado, entregue esta manhã a Rita Júdice.
O documento aponta que a fuga demorou ao todo seis minutos. O alerta demorou quase uma hora a surgir e o alerta para a GNR, mais de 80 minutos. Frisando que, por razões de segurança, o relatório não será tornado público, a ministra afirmou que “nos relatos recebidos vimos desleixo, vimos facilidade, vimos irresponsabilidade e vimos falta de comando. Também vimos decisões erradas ou ausência de decisões nos anos mais recentes”.
“Apesar das zonas cinzentas e perguntas sem resposta que subsistem, já tenho respostas que me permitem tirar conclusões”, referiu.
Frisando que não hesitará em avançar com inquéritos para apurar responsabilidades, Rita Júdice considerou que “temos fundamento para concluir que a fuga de cinco reclusos resultou de uma cadeia sucessiva de erros e falhas muito graves, grosseiras, inaceitáveis que queremos irrepetíveis”.
“Esta é a minha primeira conclusão: este episódio não traduz uma cultura de segurança e de exigência”, referiu. Elencando o que concluiu, a ministra acrescentou que “esta fuga foi orquestrada: não resultou do aproveitamento de uma distração, não foi uma fuga oportunista. Foi, como
garantem os peritos de segurança, um plano preparado com tempo, com método e com ajuda de terceiros”.
“A terceira conclusão é a de que a recuperação da confiança no sistema prisional vai exigir a responsabilização a vários níveis e o reforço da fiscalização ao sistema prisional”, rematou.
A ministra revelou que só pelas 12h00 de sábado foi informada da fuga, deixando críticas severas a todo o sucedido.
Auditorias
Na sequência dos dados a que teve acesso, a ministra “mandatou a Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça para dar início urgente a uma auditoria aos sistemas de segurança de todos os 49 estabelecimentos prisionais do país”.
“Temos de ter confiança nos equipamentos, nos sistemas de segurança e de vigilância”, defendeu. O resultado dessa auditoria deverá ser entregue até ao final do ano.
Rita Júdice revelou ter decidido “também ordenar uma “auditoria de gestão” ao sistema prisional, que avalie a organização e afetação de recursos da DGRSP e de todos os Estabelecimentos Prisionais do país”.
“Esta auditoria, é necessariamente mais demorada”, reconheceu, acrescentando que, contudo “vai ajudar-nos na tomada de decisões para uma melhor utilização de recursos e para efetuarmos as mudanças que se imponham”.
“Aguardo o desfecho de outras investigações em curso e do processo de auditoria que está a ser levado a cabo pelo Serviço de Auditoria e Inspeção, da DGRSP, cujo trabalho deverá estar concluído dentro de um mês”, lembrou também.
“Não hesitarei em dar impulso aos processos disciplinares ou penais que se revelem necessários”, concluiu Rita Júdice.
Fita do tempo
De acordo com o relatório, a responsável pela tutela revelou a fita do tempo da fuga, a qual durou apenas seis minutos.
“A operação de fuga de cinco reclusos começou às 9:55 com a intrusão de três indivíduos no perímetro externo do estabelecimento prisional. A evasão dos reclusos teve início às 9:57. O último recluso a evadir-se ultrapassou a vedação exterior do estabelecimento prisional, às 10:01. Assim, segundo este relatório, a evasão demorou seis minutos e foram usados recursos (como duas escadas) que não existiam no interior do estabelecimento prisional”, referiu.
Rita Alarcão Júdice indicou de seguida que a fuga foi “detetada por dois guardas, quase em simultâneo, pelas 11:00″, ou seja, cerca de uma hora depois, sendo que um dos guardas estava no pavilhão da prisão e o outro circulava de viatura no perímetro interior quando se deparou com uma escada”.
“O alerta dado a toda a corporação ocorre entre as 11:04 e as 11:08”, acrescentou.
Diretor-geral demitido e substituído
A ministra aceitou, esta terça-feira, o pedido de demissão do diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o qual será substituído pela atual sub-diretora-geral dos serviços, Isabel Leitão.
Rui Abrunhosa Gonçalves pôs de manhã o lugar à disposição de Rita Alarcão Júdice, na mesma reunião em que apresentou o relatório preliminar sobre a fuga dos cinco reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale dos Judeus.
Frederico Morais, presidente do Sindicato do Corpo de Guardas Prisionais, considerou à RTP que esta era “a única hipótese possível”, porque, justificou, “o problema é securitário” e já havia sido denunciado diversas vezes pelo sindicato.
Morais lembrou ainda que o pedido de demissão de Rui Abrunhosa Gonçalves só surgiu após a publicação do relatório preliminar, considerando que a direção-geral “assumiu a culpa” da degradação do Sistema Prisional português, apelando ainda à “autonomia do Corpo de Guarda Prisional” e a uma imediata “verificação dos estabelecimentos prisionais”.