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Há cidades que inspiram óperas… Castelo Branco não é uma delas

Há cidades que inspiram óperas. Outras alimentam revoluções. E há ainda aquelas que, não tendo mar, nem serras grandiosas, insistem em afundar-se num lodo morno de aparências. Castelo Branco, infelizmente, tornou-se uma dessas
 
Revi recentemente Les Uns et Les Autres, de Claude Lelouch — um monumento do cinema europeu. Ali, entre passos de dança e silêncios de guerra, percebe-se como a grande arte revela a verdade crua: a dignidade humana resiste, mesmo quando tudo à volta se desmorona. Foi então que me ocorreu o mais improvável dos paralelismos: Castelo Branco.
 
Porque também aqui, apesar de não termos sinfonias nem Jorge Donn em espiral pelo Trocadéro, temos uma coreografia — pobre, previsível, e sempre ensaiada para as câmaras. Temos “uns” que desfilam, sorridentes, de evento em evento, como se o exercício do poder fosse um festival de selfie e salamaleques. A política local, outrora ofício sério, converteu-se numa performance de vaidade.
 
Os nossos autarcas — salvo honrosíssimas excepções — confundem governar com aparecer, liderar com emitir notas de imprensa, servir com ser servido. A cidade tornou-se cenário de um teatro de província, onde os actores são medíocres, os figurantes resignados e o público, cada vez mais ausente.
 
Não há ideias, há posts. Não há visão, há foguetório. Não há debate, há eco. A Câmara parece um gabinete de marketing. A Assembleia Municipal, um encontro de condomínio. E a vereação, uma espécie de casting para o estrelato político, onde a competência é opcional e o mérito, um equívoco.
 
Mas o mais preocupante não são os que falam muito e fazem pouco. São os que sabem tudo e calam tudo. A elite cultural e intelectual da cidade — sim, ela existe, mesmo que adormecida — optou por uma digna hibernação cívica. Talvez por medo. Talvez por desencanto. Talvez porque, em terra de bajuladores, quem pensa é um alvo.
 
Enquanto os melhores se refugiam no silêncio, os menos aptos enchem o espaço público com frases de rodapé e projectos de circunstância. O município transformou-se num repositório de anúncios reciclados e eventos vazios. Já nem o ridículo indigna. Apenas cansa.
 
Pior do que o erro é a indiferença. Castelo Branco não está em ruínas — está em coma. A sua juventude emigra, os seus criadores minguam, os seus críticos são silenciados ou ignorados. A cultura é tratada como passatempo, a educação como fardo orçamental, a participação cívica como ameaça latente.
 
Vivemos sob a tirania do banal, onde pensar é quase um acto clandestino. E essa é a verdadeira tragédia: a institucionalização da mediocridade.
 
Porque nesta cidade, quem pensa, atrapalha. Quem questiona, incomoda. Quem exige, é persona non grata. A política deixou de ser um serviço público para se tornar um trampolim pessoal — com direito a assessoria, sessões fotográficas e honras de Facebook.
 
Entretanto, a imprensa local, domesticada por convenções e subsídios, prefere o conforto dos comunicados ao incómodo da investigação. As universidades, reféns do politicamente correcto, evitam o confronto. As associações culturais, dependentes do poder, tornaram-se tímidas. E os cidadãos? Desistem. Aos poucos, mas com convicção.
 
Castelo Branco precisa urgentemente de recomeçar. Não com mais propaganda, mas com mais coragem. Não com projectos de fachada, mas com visão. Não com festivais, mas com políticas. E, acima de tudo, com gente que compreenda que liderar não é brilhar — é servir. Com humildade, com seriedade e com espírito de missão.
 
Se Les Uns et Les Autres nos deixou uma lição, foi esta: sem cultura, sem memória e sem coragem, tudo se desfaz em ruído. Castelo Branco, com a sua história e com o seu povo, merece mais do que esta política de plástico. Merece voltar a ser cidade — no sentido pleno do termo.
 
Por isso, que me perdoem os ofendidos, os vaidosos e os cúmplices. Esta não é uma crónica para os agradar. É uma tentativa de acordar os que ainda não adormeceram de vez.
 
Nota do Autor:
Esta crónica insere-se no exercício legítimo da liberdade de expressão, consagrada na Constituição da República Portuguesa. Critica políticas, não pessoas; estruturas, não indivíduos. Num Estado democrático, o escrutínio do poder é dever cívico. O silêncio, esse sim, é perigoso.
 
Crónica de Opinião com Sátira Crítica
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Fernando Jesus Pires
Fernando Jesus Pireshttps://oregioes.pt/fotojornalista-fernando-pires-jesus/
Jornalista há 35 anos, trabalhou como enviado especial em Macau, República Popular da China, Tailândia, Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul e Paralelo 38, Espanha, Andorra, França, Marrocos, Argélia, Sahara e Mauritânia.

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