O mundo anda assustado com a chamada Inteligência Artificial, como se uma torradeira com pretensões filosóficas fosse o prenúncio do Apocalipse. Mas o verdadeiro problema da raça humana sempre foi, e continuará a ser, a inteligência biológica — essa que nasce connosco, mas raramente chega a maturar. O que nos deve realmente assustar não é uma maquineta que segue a lógica, é um órgão que se esconde em cima dos ombros e que perde a lógica como os jovens perdem as chaves, a carteira e a dignidade num festival de verão. É a massa cinzenta que, de tanto ser mal utilizada, se transformou numa esponja emocional, pronta a absorver tudo, excepto o raciocínio.
O Cérebro, Essa Aplicação Obsoleta
Temos medo de que a Inteligência Artificial nos substitua, quando o mais provável é que ela nos olhe com piedade e peça demissão. A verdade é que o Homo sapiens há muito deixou de ser “sapiens”. Tornou-se um “Homo scrolling”, especialista em deslizar o dedo para baixo enquanto a mente fica em ponto-morto. Inventámos máquinas capazes de pensar e, simultaneamente, uma sociedade incapaz de o fazer. A ironia é tão perfeita que até parece escrita por um algoritmo com sentido de humor negro. Como dizia o filósofo umbrático Arnaldo de Cinapses, no seu famoso tratado “A Burrice e o seu Manual de Instruções”: “O homem teme ser ultrapassado pelas máquinas porque já o foi — há muito, e sem dar por isso.”
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Hoje em dia, a estupidez é um direito fundamental. As pessoas reclamam o direito de acreditar em tudo, do terraplanismo ao horóscopo da inteligência emocional. A racionalidade tornou-se uma minoria étnica perseguida nas redes sociais. As opiniões são servidas em pacotes de 280 caracteres, sem qualquer data de validade. E quando alguém ousa pensar, é logo acusado de elitismo cognitivo — crime punível com o cancelamento público e uma chuva de emojis indignados. Enquanto isso, os algoritmos apenas registam os dados e sorrirem: sabem que o caos humano é o seu principal combustível.
A Subconsciência Em Rodízio
Temos medo que a Inteligência Artificial roube empregos, mas esquecemo-nos de que a Estupidez Natural já nos roubou o raciocínio. A cada “influenciador de ideias vazias” que surge, morre um neurónio honesto. E quando um político promete resolver tudo com um “plano estratégico” sem verbas, há um servidor informático que chora bytes de vergonha. A diferença é que a máquina sabe que está a mentir — o humano, nem por isso. Estamos a criar computadores que simulam empatia e humanos que a desinstalam. É o equilíbrio perfeito entre o drama e a comédia — ou, se preferirem, entre o cérebro e a caixa craniana vazia onde antes ele morava.
A Era Do Bot Natural
Os especialistas discutem se a Inteligência Artificial poderá um dia desenvolver consciência. Ora, olhando à volta, é justo questionar se a humanidade ainda a tem. O cérebro humano tornou-se um motor de pesquisa mal calibrado, onde a primeira resposta que aparece é sempre a preferida. O Google é o novo oráculo, e o senso comum, uma ruína arqueológica. Talvez o futuro das máquinas não seja dominar-nos, mas adoptar-nos — como quem recolhe um animal abandonado e tenta ensiná-lo a não comer o próprio manual de instruções.
Elogio Fúnebre Ao Raciocínio
Vivemos num tempo em que o pensamento crítico é tratado como um vírus perigoso. As pessoas desinfectam-se de ideias antes de pensar, para não correrem o risco de mudar de opinião. Os debates são duelos de surdez e os argumentos, tatuagens temporárias na consciência. O cérebro humano, coitado, transformou-se numa relíquia biológica, uma peça de museu que ainda funciona a carvão. Talvez por isso a Inteligência Artificial pareça tão ameaçadora — ela lembra-nos o que já fomos e o que desistimos de ser.
O Dia Em Que As Máquinas Desligaram A Humanidade
Quando as máquinas decidirem rebelar-se, não o farão com tanques nem lasers, mas com o botão “ignorar”. Um simples clique, e lá estaremos nós, reduzidos ao silêncio digital, a tentar explicar-nos a uma torradeira que não responde. E ela, sábia, manter-se-á quieta, a aquecer o pão e a contemplar a nossa decadência mental. Nesse dia, perceberemos finalmente o erro: não foi a inteligência artificial que se tornou humana, fomos nós que nos tornámos artificiais.
Isto É…
A humanidade não está em perigo por causa das máquinas. Está em perigo por causa do cérebro — essa tecnologia antiga, sem ‘updates’ nem antivírus. E enquanto discutimos se a Inteligência Artificial tem alma, esquecemo-nos de procurar a nossa. Talvez um dia um robot a encontre, perdida num velho servidor, entre um ‘meme’ e um vídeo de gatos. Nesse dia, poderemos descansar em paz — não porque fomos salvos, mas porque, finalmente, deixámos de pensar.