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“Incompetência” ou “ao leme”? Governo e incêndios: o debate que incendiou a Assembleia

A coordenação do combate aos incêndios regressou esta quarta-feira ao centro da política nacional, numa Comissão Permanente da Assembleia da República convocada para escrutinar a atuação do Executivo. Durante cerca de hora e meia — sessão que terminou com um minuto de silêncio — o primeiro-ministro, Luís Montenegro, defendeu que o Governo esteve “ao leme” e “sempre no território”, enquanto a oposição multiplicou acusações de “incompetência”, atrasos, falta de prevenção e insensibilidade política

Além de Montenegro, esteve presente a ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, que não interveio. O debate foi requerido por Chega e PCP.

O eixo do Governo: “ao leme”, sem “casacos da ANEPC”, e com cronologia para mostrar

Montenegro apresentou-se num registo de responsabilidade e de balanço. Afirmou que a ação do Executivo começou “antes dos incêndios”, evocando uma reunião a 22 de julho como ponto de partida da coordenação, e que a prioridade foi “proteger as pessoas e o património”.

“Fizemos o que nos competia; não vestimos casacos da Proteção Civil [ANEPC] para ir para o terreno onde as chamas deflagravam porque quisemos respeitar a prioridade ao trabalho operacional… O mesmo não é dizer que estamos a Leste.”

Na intervenção final, o primeiro-ministro insistiu na necessidade de “aprimorar a ação”, rejeitou a acusação de ter desinvestido e respondeu às críticas sobre o plano florestal a 25 anos:

“É injusto e falso o argumento de que foram retiradas verbas. Houve reprogramação de fundos comunitários. (…) Este plano não caiu do céu; é o resultado de um processo que envolveu a sociedade.”

Montenegro recusou a ideia de fatalismo: “Não estamos aqui para pré-anunciar tragédias. Estamos aqui, com o vosso esforço também, para as evitar.”

 

A bateria da oposição: atrasos, prevenção em falha e política “à sombra das chamas”

PS: “Insensibilidade”, números em baixa e perguntas sem resposta

O secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, atacou a ausência do ministro da Agricultura (“mostra muito o compromisso que querem estabelecer”) e considerou que a realização da festa do PSD no Algarve foi um erro: “Devia ter sido adiada”. Apontou ainda:

120 milhões de euros alegadamente retirados (que, diz, teriam impacto na prevenção);

Menos 4 mil ações de fiscalização em 2022;

Reacendimentos: “Em 2022 e 2023 conseguimos recuar para 4%; hoje o ICNF diz que estão em 9%. Mostra falha.”

Pediu explicações sobre a valorização do Interior e a reforma da propriedade rústica.

Chega: “Descoordenação”, Mecanismo Europeu e a F1 no Pontal

O líder do Chega, André Ventura, afirmou existir “descoordenação política” e classificou Montenegro como “o primeiro-ministro com maior área ardida da Europa”. Criticou o que considera ter sido atraso na ativação do Mecanismo Europeu de Proteção Civil, lembrando declarações de 7 de agosto de que “o país não precisava de pedir apoio”. E deixou a estocada política:

“Não vale a pena ir ao Pontal falar de Fórmula 1, quando perdemos o mais útil, que é o território.”

O confronto subiu de tom quando Mariana Mortágua (BE) o acusou de ridicularizar o trabalho dos bombeiros e respondeu a um ataque pessoal de Ventura (“fugir para Gaza”), invertendo o ónus: “Eu tomo partido… estarei do lado da História de quem combateu o genocídio”.

BE: “45 medidas, zero para os bombeiros”

A coordenadora bloquista trouxe para o hemiciclo perguntas que diz ter recebido “dos bombeiros”:

“45 medidas, zero para os bombeiros. Porquê? O Governo não preparou a época de incêndios.”

Criticou ainda a estratégia de comunicação — “vídeos com raminhos a apagar fogos” — e associou o atraso no pedido ao Mecanismo Europeu à “negligência”.

IL: “Legislação da floresta é um caos”

A líder da IL, Mariana Leitão, apontou “três consequências” do atual estado de coisas — nada fazer, apenas reagir, e “calculismo político” — e desafiou:

“Vai precisar de mais relatórios para perceber o óbvio? A legislação da floresta é um caos. Se está à espera, o problema não é da floresta, é da sua indecisão.”

Rejeitou “planos para a gaveta” e exigiu ação fora do mês de agosto.

Livre: “Não basta estar ao leme; é preciso distribuir jogo”

Para Rui Tavares, metáforas de “guerras” e “inimigos” atrapalham; o essencial é organizar o Estado para 25 anos:

“Não basta dizer que se está ao leme, é preciso distribuir jogo com a sociedade e os partidos.”

CDS: “Digam um PM que tenha vindo em agosto”

O deputado João Pinho de Almeida agradeceu a quem combate as chamas e defendeu a presença de Montenegro:

“Digam um primeiro-ministro socialista que tenha estado em agosto no Parlamento a discutir esta matéria.”

Pediu firmeza judicial para o crime de incêndio florestal, “gravíssimo”.

PAN: “Ardeu o equivalente a todo o Luxemburgo”

A deputada Inês Sousa Real disse que “ardeu o maior número de sempre” e comparou a área ardida ao território do Luxemburgo. Criticou a falta de apoio aos bombeiros e a ausência dos animais nos planos da Proteção Civil, defendendo sistemas de proteção para agricultores.

JPP: “Arde a floresta e a confiança no Estado”

O deputado Filipe Sousa descreveu exaustão dos bombeiros e revolta das populações, acusando o Governo de relaxamento:

“Não é só a floresta que está a arder. É também a confiança dos cidadãos no Estado.”

PSD fecha fileiras: “maior dispositivo de sempre” e um vídeo “a combater fogo extinto”

O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, ancorou a defesa da maioria em três ideias:

Portugal terá sempre incêndios com as alterações climáticas; o crivo é “o que se faz a montante, durante e a jusante”.

“O Governo preparou o maior dispositivo de sempre.”

Respostas operacionais: “O Estado não falhou no corte de estradas, a tempo e horas, e não houve vidas ceifadas por falhas do Estado.”

Aproveitou ainda para responder a Ventura, criticando um vídeo em redes sociais:

“Combater um fogo extinto e publicá-lo é uma figura triste.”

E devolveu a Carneiro a crítica da presença pública: “Onde estava em 2017? Eu e outros deputados combatíamos com as nossas mãos; não publicámos.”

O que esteve realmente em causa

Coordenação política do combate e a fronteira entre liderança e presença física no teatro de operações.

Prevenção: fiscalização, mosaicos, gestão de combustível e o plano a 25 anos anunciado pelo Governo.

Pedido de apoio europeu: alegado atraso na ativação do Mecanismo de Proteção Civil.

Bombeiros: condições, meios e ausência de medidas dedicadas, segundo o BE.

Comunicação política: críticas à festa do PSD no Algarve e ao foco em temas como a Fórmula 1.

Animais e agricultura: lacunas na proteção e no apoio a produtores e fauna (PAN).

Justiça: exigência de maior consequência penal para o fogo posto (CDS).

Cronologia e controvérsias apontadas no debate

22 de julho — Governo realiza reunião preparatória da época de incêndios (cronologia invocada por Montenegro).

7 de agosto — Declaração pública de que não seria necessário pedir apoio externo; a oposição sustenta que o pedido ao Mecanismo Europeu foi tardio.

Agosto — Festa do PSD no Algarve torna-se símbolo de insensibilidade para a oposição; a maioria responde com a presença parlamentar do PM em agosto como contraprova.

Dados e métricas — O PS fala em reacendimentos a 9% (face a 4% em 2022-23) e numa redução de 4 mil fiscalizações em 2022. O Governo contrapõe com reprogramação de fundos e “maior dispositivo de sempre”.

Nota: as cifras foram citadas por atores políticos no debate. O Governo contesta interpretações sobre verbas e eficácia.

Frases-chave

Luís Montenegro (PM): “Não vestimos casacos da ANEPC… não estamos a Leste.”

José Luís Carneiro (PS): “Falta aqui o ministro da Agricultura. (…) Retirada de 120 milhões teve impacto.”

André Ventura (Chega): “Descoordenação política… não vale a pena ir ao Pontal falar de F1.”

Mariana Mortágua (BE): “45 medidas, zero para os bombeiros.”

Mariana Leitão (IL): “Legislação da floresta é um caos… o problema é a indecisão.”

Rui Tavares (Livre): “Não basta estar ao leme; é preciso distribuir jogo.”

João Pinho de Almeida (CDS): “Digam um PM que tenha vindo em agosto discutir incêndios.”

Inês Sousa Real (PAN): “Ardeu o equivalente a todo o Luxemburgo.”

Filipe Sousa (JPP): “Arde a floresta e a confiança no Estado.”

Hugo Soares (PSD): “Maior dispositivo de sempre… não houve falhas com vítimas.”

O que fica por decidir

Plano a 25 anos: calendário, metas intermédias e governação do programa (participação de partidos e sociedade civil).

Bombeiros: pacote específico de carreiras, formação, equipamentos e financiamento dedicado.

Propriedade rústica e mosaico florestal: reforma efetiva da estrutura fundiária e instrumentos para acelerar gestão de combustível.

Animais e exploração agrícola: integração de planos de salvaguarda nos dispositivos da Proteção Civil.

Mecanismo Europeu: clarificação de critérios e tempos de ativação, para evitar polémicas sobre “atrasos”.

Comunicação em crise: códigos de conduta para presença política e uso de redes sociais durante ocorrências.

Epílogo: minuto de silêncio e um país em modo de vigilância

O debate fechou com um minuto de silêncio, gesto raro que sintetiza o ambiente de tensão e luto. Entre acusações e contrapontos, emergem duas narrativas: a de um Governo “ao leme” que pede tempo para consolidar uma estratégia de longo prazo; e a de uma oposição que vê falta de prevenção, hesitações e insensibilidade política.

No horizonte imediato, o teste continuará a ser operacional — prevenir, responder e recuperar — mas o verdadeiro exame, concordam (ainda que por razões distintas), é o da organização do Estado para as próximas duas décadas e meia. Até lá, cada verão trará de volta a mesma pergunta que hoje incendiou o Parlamento: incompetência ou liderança?

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