O único lavadouro industrial de lã em Portugal, situado na Guarda, mantém-se fechado devido a questões ambientais não resolvidas, forçando o país a exportar a sua lã para a China para processamento. Esta situação desencadeou uma petição com mais de 4.600 assinaturas que apela à acção para salvar a indústria lanífera local.
Lavadouro da Guarda Inactivo Há Anos
O lavadouro de lã na Guarda está inactivo há vários anos devido à falta de autorização para despejar as suas águas residuais na estação de tratamento local (ETAR). Segundo o Portugal Resident, a instalação foi inicialmente autorizada a despejar num rio local como solução temporária, mas a poluição resultante obrigou a empresa a cessar as operações de lavagem. Apesar das esperanças depositadas na Águas de Portugal, que gere a rede de saneamento na região, nenhuma solução foi encontrada até Agosto de 2025.
A fábrica, operada pela Têxteis Manuel Rodrigues Tavares SA, continua a preparar mais de quatro toneladas de lã por ano, mas sem a capacidade de lavagem, a matéria-prima é enviada para o exterior. Ricardo Tavares, representante da empresa, destacou à SIC Notícias a gravidade da situação, sublinhando que os produtores recebem “praticamente nada” pela venda de lã virgem.
Impacto Económico e Ambiental
A inactividade do lavadouro tem consequências profundas para a indústria lanífera portuguesa, especialmente nas regiões da Serra da Estrela e Covilhã, conhecidas pela sua tradição têxtil centenária. A exportação de lã não processada para a China reduz o valor económico gerado localmente, afectando empregos qualificados e a competitividade das empresas. Por exemplo, fábricas na Covilhã, que transformam lã em produtos de alta qualidade, enfrentam dificuldades para obter matéria-prima lavada localmente.
Além disso, o transporte internacional de lã aumenta a pegada de carbono, contrariando os princípios de sustentabilidade e economia circular. A situação é paradoxal: enquanto Portugal promove discursos de transição ecológica, a falta de infra-estruturas locais força práticas menos sustentáveis. A poluição causada pelo despejo inicial no rio local também levanta questões sobre a gestão ambiental na região.
Petição para Salvar a Indústria
A Ovibeira, Associação de Produtores Agrícolas, lançou uma petição para pressionar as autoridades a resolverem o problema. Até Julho de 2025, a petição reuniu mais de 4.600 assinaturas, com o objectivo de atingir 7.500 para levar o assunto à Assembleia da República. A iniciativa sublinha a ameaça à indústria tradicional da lã, que sustenta comunidades rurais e preserva a identidade cultural da Serra da Estrela.
A petição reflecte a frustração dos produtores e das empresas têxteis, que vêem a sua capacidade de inovação e competitividade comprometida. Mais de 20 entidades, incluindo grandes empresas do sector, já exigiram uma resolução, mas a falta de acção mantém a indústria em suspenso.
Cobertura Mediática e Vozes Locais
Os meios de comunicação, como o Portugal Resident, têm dado voz aos desafios dos produtores. Estes relatos destacam a precariedade económica dos pastores, que enfrentam dificuldades para escoar a sua produção. A lã, outrora um pilar da economia local, tornou-se um problema devido à ausência de infra-estruturas de lavagem.
A situação afecta não só a indústria têxtil, mas também o ecossistema da Serra da Estrela. A raça Bordaleira, essencial para o queijo DOP da região, viu a sua população diminuir mais de 90 por cento desde os anos 80, segundo dados históricos. Sem pastoreio, aumenta o risco de incêndios florestais devido ao acumular de vegetação.
Contexto Histórico e Cultural
A indústria lanífera portuguesa tem raízes profundas, remontando ao tempo do Marquês de Pombal, que promoveu o desenvolvimento têxtil no século XVIII. Empresas centenárias na Covilhã e na Serra da Estrela reinventaram-se com design e sustentabilidade, exportando produtos para mercados exigentes. Contudo, a dependência de lã lavada no exterior ameaça esta resiliência, como se fosse “chover no molhado” para uma indústria já desafiada pela desertificação rural.
A falta de um simples tubo para ligar o lavadouro à ETAR é vista como um símbolo de inércia administrativa. Resolver este problema seria, nas palavras de um produtor local, “dar valor a quem cria, transforma e inova” numa região que resiste à adversidade.
O fecho do lavadouro de lã da Guarda permanece um obstáculo crítico para a indústria lanífera portuguesa. Sem uma solução imediata, a petição para discussão parlamentar é um passo essencial para chamar a atenção das autoridades. O desfecho desta crise poderá determinar o futuro da economia local, do ambiente e da preservação de uma indústria que é parte integrante da identidade da Serra da Estrela. Enquanto a lã portuguesa continua a ser enviada para a China, o apelo por coerência e visão estratégica ressoa como um grito de urgência para salvar o que é nosso.