O Jornal de Letras confundiu Camilo Castelo Branco com Eça de Queiroz na capa da última edição. O erro, publicado a 8 de Abril, está a gerar fortes críticas nas redes sociais e meios culturais, especialmente por envolver financiamento público
A edição mais recente do Jornal de Letras, Artes e Ideias exibiu na sua capa uma imagem de Eça de Queiroz identificada como Camilo Castelo Branco. A troca entre dois dos maiores nomes da literatura portuguesa do século XIX, conhecidos pela rivalidade pessoal e literária, gerou uma onda de críticas.
A gafe foi destacada inicialmente por leitores atentos nas redes sociais e rapidamente amplificada por blogues e perfis ligados ao meio académico e literário. Muitos consideram o erro inadmissível num jornal cultural com mais de quatro décadas de história e financiado pelo Estado português.
“É como confundir Pessoa com Saramago”, escreveu o crítico literário Nuno Fonseca no X (ex-Twitter). Já Maria do Céu Nogueira, professora de Literatura Portuguesa na Universidade do Minho, lamenta: “O erro revela uma preocupante falta de rigor editorial e um desconhecimento básico da história literária nacional”.
Já o antigo jornalista José Paulo Fafe sentenciou, também no X: “Que José Carlos Vasconcelos (…) como jornalista, para além da vetusta carteira profissional, e da prosa mal amanhada, ungiu-se ‘papa’ do jornalismo literário e lá se vai eternizando à frente de um ‘Jornal de Letras’ que poucos lêem e todos pagamos. E foi exatamente aí, nesse farol da intelectualidade lusa, que o ‘marreco de Freamunde’, tal como é conhecido entre os seus confrades e camaradas, nos brindou com um Eça em vez de um pobre Camilo (…)”
Entre os comentários, destaca-se a indignação por a publicação receber apoio financeiro público, nomeadamente através da Direção-Geral das Artes (DGArtes) e do Ministério da Cultura. “Financiamos um jornal que não distingue os pilares da nossa literatura?”, questionou um leitor num comentário amplamente partilhado no Facebook.
Direcção de José Carlos Vasconcelos em foco
José Carlos Vasconcelos, de 83 anos, dirige o Jornal de Letras desde a sua fundação em 1979. Poeta, advogado, ex-deputado pelo PCP e antigo presidente da Associação Portuguesa de Escritores, é uma figura central da cultura portuguesa. Ao longo dos anos, foi frequentemente elogiado pelo seu papel na promoção das letras, mas também criticado por uma postura considerada “elitista” e pouco aberta à renovação editorial.
Até ao momento, Vasconcelos não prestou declarações públicas sobre o erro. O Jornal de Letras emitiu um pequeno pedido de desculpas no seu site, atribuindo a falha a um “lapso de revisão gráfica”, o que muitos consideraram insuficiente face à gravidade do engano.
Fundado em Lisboa, o Jornal de Letras é uma das poucas publicações portuguesas especializadas em cultura e pensamento. O jornal mantém uma periodicidade quinzenal e é amplamente lido por professores, investigadores e autores.
A publicação já tinha sido alvo de críticas no passado por uma alegada falta de diversidade temática e de renovação nos colaboradores. O actual incidente veio reforçar a percepção de uma direcção editorial desfasada da realidade contemporânea e da exigência de maior responsabilidade quando se trabalha com financiamento público.
O impacto na imagem e na credibilidade
A troca de imagens entre Camilo e Eça não é apenas um deslize gráfico: representa uma quebra de confiança no rigor de uma publicação que se apresenta como referência cultural. A imagem errada adquire um simbolismo acrescido ao envolver dois autores cujas obras, estilos e ideologias se opunham frontalmente.
Camilo Castelo Branco, autor de Amor de Perdição, e Eça de Queiroz, criador de Os Maias, partilharam uma longa e notória antipatia. A confusão entre ambos não passou despercebida ao público mais atento, que vê neste episódio um reflexo preocupante do estado da cultura mediática.
O caso está a levantar questões mais profundas sobre o papel da imprensa cultural e a responsabilidade que decorre do apoio estatal. Apesar do pedido de desculpas, muitos exigem explicações mais claras e mudanças na forma como o jornal é gerido.
A polémica poderá acelerar discussões sobre critérios de atribuição de apoios públicos à imprensa cultural, bem como renovar o debate sobre a necessidade de maior diversidade, rigor e renovação editorial nas publicações especializadas.