O fórum “Jornalismo: Memória e Futuro”, marcado para o dia 24 no Fundão, surge numa data simbólica que assinala 60 anos da suspensão do Jornal do Fundão pelo Estado Novo. Uma iniciativa louvável na sua intenção de refletir sobre a história e os desafios da profissão, mas que, na prática, revela fragilidades preocupantes ao deixar de fora uma componente essencial do jornalismo atual: o jornalismo independente, de investigação e crítico, que opera para lá dos circuitos institucionais e regionais
É indiscutível que reunir personalidades como José Manuel Barata-Feyo, Joaquim Carreira, Alberto Arons de Carvalho, e responsáveis de jornais regionais e associações profissionais confere peso ao debate. No entanto, o formato do evento parece pender para um jornalismo institucionalizado, alinhado com estruturas que, por vezes, funcionam mais como megafones regionais do que como agentes de transformação social. A ausência clara de jornalistas independentes e investigadores, que enfrentam riscos e resistências para expor verdades incómodas, deixa uma lacuna grave numa reflexão que se pretende crítica e abrangente.
Ao recordar a suspensão do Jornal do Fundão, um jornal que ousou desafiar o regime opressor, esperava-se que o fórum ampliasse o seu olhar para incluir quem hoje luta contra novas formas de censura, pressão económica e falta de financiamento para investigações profundas. O jornalismo independente não pode ser apenas uma nota de rodapé num debate que pretende olhar para o futuro da profissão. Este é o jornalismo que, no contexto atual, revela com coragem e autonomia as falhas do sistema, que denuncia corrupção, abusos de poder e desigualdades.
Falta, por isso, uma discussão mais ousada sobre a precariedade dos jornalistas, a fragilidade financeira das redações e a necessidade urgente de modelos de sustentabilidade que permitam a investigação rigorosa e imparcial. Também deveria ser mais questionada a relação entre os media e os poderes locais, onde, muitas vezes, a liberdade editorial sofre constrangimentos subtis mas reais.
O fórum no Fundão poderia ser uma plataforma decisiva para debater como regenerar o jornalismo numa altura em que a desinformação prolifera e a confiança dos cidadãos nos media continua a cair. Para isso, é imprescindível incluir na conversa quem trabalha diariamente na linha da frente da investigação, independentemente de amarras institucionais ou interesses regionais.
Memória e futuro do jornalismo só fazem sentido se o debate for plural, crítico e verdadeiramente representativo. Caso contrário, arriscamo-nos a perpetuar a mesma visão limitada que contribui para a crise de confiança e para o empobrecimento do jornalismo enquanto pilar da democracia.