Sébastien Lecornu, primeiro-ministro francês, tenta esta Segunda-feira formar um novo Governo em França, enfrentando desde já ameaças de censura por parte da esquerda e da extrema-direita. A crise política agrava-se em Paris num momento crucial para o Orçamento de Estado
A recondução de Sébastien Lecornu como primeiro-ministro por Emmanuel Macron mergulhou França numa nova crise política, com vários partidos a anunciar a intenção de apresentar uma moção de censura caso o Executivo não recue em medidas sensíveis, como a reforma das pensões.
O nome de Lecornu regressou ao centro do palco poucos dias depois de ter apresentado a demissão, alegando que «as condições para continuar não estavam reunidas». Agora, regressa com o mandato de formar um Governo capaz de garantir a aprovação do Orçamento antes do final do ano, condição essencial para evitar o bloqueio financeiro do país.
Na manhã deste sábado, Lecornu visitou uma esquadra de polícia na região de Paris e conversou com os agentes, num gesto simbólico de reafirmação da autoridade do Estado. O primeiro-ministro criticou duramente o ambiente político actual, afirmando: «É ridículo o espectáculo que a classe política tem dado nos últimos dias».
Desafios parlamentares imediatos
Lecornu deverá apresentar o projecto de lei do Orçamento no Conselho de Ministros já na próxima Segunda-feira e remetê-lo à Assembleia Nacional dois dias depois, cumprindo os prazos constitucionais. Se o documento não for aprovado até ao final do ano, França ficará sem instrumentos orçamentais, obrigando à adopção de medidas excepcionais de emergência.
A reforma das pensões é o principal ponto de discórdia. Aprovada em 2023, aumentou a idade da reforma para os sessenta e quatro anos. A oposição exige a sua revogação imediata como condição para evitar a censura ao novo Governo. Lecornu já declarou que «todos os debates são possíveis» e que o futuro Executivo «deve reflectir a realidade parlamentar» e «não ser refém de interesses partidários».
Os partidos Os Republicanos (direita moderada) e Horizons (centro-direita) manifestaram reservas quanto à sua participação no Governo, embora tenham prometido um «apoio exigente», avaliando cada proposta de forma independente. A esquerda, vencedora das legislativas de Julho do ano passado, insiste em que o novo Executivo deverá alterar profundamente as políticas do anterior mandato antes de iniciar qualquer diálogo.
Entretanto, A França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, e o Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, preparam já uma moção de censura, que poderá ser apresentada logo após a declaração de política geral de Lecornu.
Um Governo com prazo incerto
A sobrevivência do novo Governo é altamente incerta. A moção de censura poderá ser formalizada na Terça-feira e votada dois dias depois. Se for aprovada, Emmanuel Macron terá de dissolver a Assembleia Nacional ou convocar novas eleições legislativas.
Este é o segundo mandato de Lecornu em apenas uma semana. O primeiro durou vinte e sete dias, mas o seu Governo, formalmente, esteve em funções somente 836 minutos antes da demissão. O episódio tornou-se um símbolo da instabilidade que domina a política francesa desde 2024.
Apesar do impasse, Macron mantém-se firme na recusa de dissolver o Parlamento e acredita que Lecornu poderá encontrar uma solução que evite tanto a crise financeira como o colapso político.
Crise política e fragilidade económica
A actual crise resulta da dissolução da Assembleia Nacional em Junho de 2024, que originou novas eleições legislativas sem maioria clara. Desde então, França já teve quatro primeiros-ministros em pouco mais de um ano, sem que nenhum tenha conseguido estabilizar a governação.
A situação económica é igualmente delicada. O défice público ronda os 5,4 por cento do Produto Interno Bruto, e os mercados financeiros observam com crescente desconfiança a instabilidade política. Analistas alertam que a paralisia do Governo poderá agravar a posição internacional de França e limitar o seu peso nas decisões europeias.
O futuro imediato do país dependerá da capacidade de Lecornu em construir consensos num Parlamento profundamente dividido. Se falhar, a realização de novas eleições legislativas parece ser somente uma questão de tempo.