Porque é que Portugal ficou para trás? Uma análise comparativa com seis países que ultrapassaram Portugal em riqueza, inovação e competitividade, escrita por quem já viu linotipos engasgarem-se e algoritmos bocejarem, não para chorar, mas para rir com dentes. Entro no tema como quem sobe a um autocarro que só anda em marcha‑atrás: apertamos o cinto e fingimos que é paisagem, mas o poste insiste em crescer pela janela.
O paradoxo português: nos últimos 50 anos passámos do cheiro a couve cozida ao perfume das infra‑estruturas, da vacina por milagre à saúde de catálogo, da escola a carvão ao diploma laminado. E, no entanto, os de menos de dez milhões fizeram a festa, comeram o bolo e ainda restou cobertura para metodologias, que dia luminoso. Em 1975, eram mais pobres; hoje, são o manual de instruções que perdemos no lixo, ao lado da chave de fendas da ambição.
O mapa que se dobra para caber no bolso
Seis países, seis estratégias de sucesso, seis maneiras diferentes de dizer “não temos tempo para conversas de rodapé”. A Islândia — Nichos sustentáveis e turismo de luxo — olhou para os vulcões e viu tomadas eléctricas e jacuzzis com pesca meditativa, 375 mil almas e uma paciência de relojoeiro para biotecnologia que não cheira a sardinha. A especialização deles parece pequena, até nos cobrirem com vapor geotérmico e recibo em cor‑de‑rosa.
Israel, o poder da inovação tecnológica, decidiu que a dúvida é desperdício e que a ciência come sopa com garfo se for preciso, e de repente saem de lá lentes, chips e aplicações que atravessam paredes como fantasmas de laboratório. Com quase dez milhões, investiram em educação científica, investigação militar e apoio estatal directo ao empreendedorismo, o que é uma maneira discreta de dizer que planearam em vez de rezar. As suas Mobileye, Wix e SodaStream são postais ilustrados de um futuro que não pediu autorização ao carimbo.
A ovelha que aprendeu contabilidade
Irlanda — Atracção de investimento e marcas globais — montou uma tenda fiscal com vista para o Atlântico e disse “entrem, há chá e lucros com sotaque”. Com cinco milhões e troco, atraiu tecnologia e farmacêuticas, mão‑de‑obra qualificada e um pragmatismo que dá alergias a revisores de contas românticos. Marcas como Ryanair, Guinness e Stripe viraram a taberna num banco de ensaio, e nós continuamos a passar recibos verdes de esperança, com tinta que não seca.
Singapura — Educação, infra‑estrutura e comércio aberto — pegou num rochedo húmido e escreveu nele uma biblioteca, um porto e um manual de cortesia para a eficiência. Com 5,6 milhões, apostou em ensino de excelência, governo digital e abertura comercial, e a sua taxa de exportações ultrapassa 170% do PIB, que é como vender duas vezes a mesma camisa e ainda ficar elegante. Nós afinamos a banda, eles vendem os instrumentos e organizam a digressão, com bilhete numerado e sem ‘engenhocas‑de‑desculpa’.
O pinheiro que faz telemóveis
Finlândia — Educação pública e sustentabilidade — ensinou as crianças a ler silêncio e a programar tempestades de neve, e quando reparámos já havia patos de borracha a cantar ‘códicos’ no recreio. Investiram em educação pública de qualidade, inovação tecnológica e sustentabilidade, e desse caldo saíram Nokia e Rovio, que atiram pássaros irritados a porcos satisfeitos como se fosse um orçamento. Por cá, discutimos o acento em “projecto” enquanto o servidor reinicia por vergonha.
O ficheiro que se baptiza a si mesmo
Estónia — A revolução digital — com 1,3 milhões, acordou um dia e decidiu que os serviços públicos em linha eram mais fáceis do que filas com pão‑por‑Deus. Identidade digital, assinatura à distância, ambiente favorável a empresas nascentes, e lá de dentro saíram Skype e Bolt, que foram ao mundo como pastéis que não pegam aos dedos. Nós, visão de túnel, pedimos a senha e ela corre mais depressa do que o número, que dia luminoso.
Os pilares do sucesso — o que une estes países? Educação e capital humano, investimento em tecnologia e investigação, abertura ao mundo, estabilidade política e foco em nichos, um rosário de evidências a que rezamos de costas. É o elogio fúnebre ao óbvio: regras claras, confiança, exportações como marés vivas, e o ‘Sistema’ a tomar notas num guardanapo invisível.
A fita métrica que mede promessas
Portugal — Avanços notáveis, mas insuficientes — erradicou o analfabetismo, multiplicou diplomas, modernizou estradas e digitalizou balcões, e as exportações foram de 20% do PIB em 1974 para mais de 50% em 2022. Somos hoje um “inovador moderado”, expressão que soa a
dieta sem sal num restaurante de marisco — mastiga‑se, não se recorda. O progresso existe, mas o motor ronrona em neutro, e o velocímetro sorri como vendedor de carros usados.
O escadote encostado ao porão
Os bloqueios estruturais: falta de visão estratégica de longo prazo, produtividade baixa, inovação limitada entre universidades e empresas, demografia em modo cinzento, dependência externa a pingar fundos como soro. Reformas reactivas, fragmentadas, e sectores de baixo valor acrescentado que brilham em relatórios como lâmpadas fundidas. Crescemos de chapéu na mão, e o chapéu já aprende a falar para nos pedir outra esmola de futuro.
O manual de instruções sem páginas pares
O que falta a Portugal? Mais ambição, foco e continuidade política, a tal engenharia da persistência que transforma pequenas decisões em marcas globais e não em ‘logótipos‑de‑domingo’. Podemos aprender com quem apostou em educação de qualidade, inovação tecnológica, estabilidade institucional e estratégias de longo prazo, se pararmos de trocar o plano por um comunicado.
O elevador que sobe cavando
Conclusão clara: se quisermos chegar à cobertura, teremos de construir escadas em vez de discursos, e isso implica escolher dores hoje para não coleccionar fracturas amanhã. Até lá, somos um país que corre muito para ficar no mesmo sítio, campeões mundiais de aquecimento antes do sprint, autores da célebre escola ‘esforço‑em‑círculo’ de Armando Farpas, autor inexistente do tratado “Como perder com classe num campo vazio”. Eu, optimista de serviço, proponho a solução mais irónica e absurda: decretar feriado nacional até ultrapassarmos a Finlândia — os que trabalharem durante o feriado, esses sim, contarão para o PIB.