Esta terça-feira, no dia em que se assinalou o Dia Internacional do Cigano, o Presidente da República reconhece que “a história e o percurso” do povo cigano em Portugal “foram muitas vezes marcados pela incompreensão, pela rejeição e pela marginalização”. Por seu turno, as associações ciganas pedem que o anticiganismo seja considerado uma forma de racismo, garantiu o vice-presidente da Associação Letras Nómadas, que diz sentir todos os dias a discriminação, a desconfiança e o escrutínio no espaço público. No ar fica a grande questão: “são os ciganos que não se querem integrar ou será que é esta sociedade que não os quer receber?”.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apela ao “diálogo recíproco rumo à inclusão” da comunidade cigana em Portugal e à “implementação das ferramentas para esse diálogo” que estão previstas na nova Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas 2022-2030, “ainda não adotada no nosso país”.
Numa nota divulgada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa assinala o Dia Internacional do Cigano e revela que participou esta terça-feira num encontro com famílias desta comunidade em Setúbal no Centro Social Nossa Senhora da Paz da Cáritas Diocesana, evento que não estava na agenda pública de Marcelo.
O Presidente salienta que se celebra este ano “o quinto centenário da perseguição aos portugueses ciganos” e recorda a “ancestralidade desta comunidade e o seu contributo para a construção de uma sociedade portuguesa mais diversa e plural”.
Não mencionando qualquer caso em concreto na atualidade, o Presidente da República reconhece que “a história e o percurso” do povo cigano em Portugal “foram muitas vezes marcados pela incompreensão, pela rejeição e pela marginalização”.
O Presidente da República fala, por isso, da “necessidade de um diálogo recíproco rumo à inclusão, numa sociedade mais justa, no respeito do Estado de Direito e dos Direitos Humanos”.
Apesar dessas boas intenções de Marcelo Reelo de Sousa, Bruno Gonçalves, vice-presidente da Associação Letras Nómadas, diz que em 49 anos de vida nunca sentiu tanto racismo como hoje em dia, apontando que existe “provocação autêntica”.
“Eu sinto na pele todos os dias quando vou a um supermercado e sinto na pele que o segurança só falta levar o cesto e ajudar-me a carregar as compras”, denunciou, afirmando sentir que existe “um clima de desconfiança, um escrutínio diário”.
“Não olham para o Bruno enquanto pessoa, o cidadão licenciado, o cidadão que já foi autarca. Primeiramente, olham para mim como um cigano, com todos os estereótipos associados”, acrescentou em declarações à Lusa, garantindo que, apesar de cansado, não vai desistir de lutar.
Já Susana Silveira, fundadora da Associação Costume Colossal, que trabalha pela integração das comunidades ciganas, contou o seu caso e de como foi despedida num emprego onde esteve depois de terem percebido que era cigana.
“Afinal alguma coisa está errada e não eu que não me quero integrar. Será que não é antes esta sociedade que não me quer receber?”, questionou, frisando que “há bons e maus em todo o lado”, tanto entre os portugueses ciganos, como entre os portugueses que não são ciganos.
Discriminação para encontrar casa e trabalho
Na opinião desta ativista, a falta de habitação e a dificuldade em encontrar emprego são os principais problemas que afetam a comunidade cigana. Apesar de admitir que são transversais à restante sociedade, salientou que entre os ciganos esses problemas são agravados pela discriminação e pelo racismo.
Opinião partilhada por Bruno Oliveira, fundador da Associação Intercultural Cigana (Incig), para quem o acesso à habitação e ao emprego e os discursos de ódio estão no topo da lista.
“Mesmo quem tenha condições de alugar uma habitação ou comprar uma casa, há sempre a parte da discriminação associada à comunidade cigana, ou seja, não basta a situação socioeconómica em que as comunidades ciganas vivem, em termos de pobreza”, apontou.
Segundo Bruno Oliveira, o mesmo se passa em relação ao emprego, “em que muitas pessoas ciganas têm que ocultar a sua identidade cultural para que não sejam despedidas”.
Acrescentou que as dificuldades no acesso ao emprego e à habitação potenciam situações de exclusão, às quais se somam problemas de saúde que são, em parte, a explicação para que os ciganos tenham uma esperança média de vida inferior à da comunidade maioritária.
De acordo com o vice-presidente da Associação Letras Nómadas, e tendo por base estudos da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), “uma portuguesa cigana vive em média menos 12 anos do que uma mulher da sociedade maioritária”.
Por outro lado, sobre o problema da habitação, Bruno Oliveira referiu que “há estudos que dizem que 33% das comunidades ciganas que vivem em tendas e barracas” em Portugal.
“Outro condicionamento que temos é que se tentamos levar isto a um tribunal e provar que esta pessoa foi vítima de um acto racista, isso não existe, não conseguimos provar”, salientou Susana Silveira.
Ciganos em Portugal há 600 anos
Bruno Oliveira apontou que em Espanha vão ser comemorados os 600 anos da chegada ao território dos primeiros cidadãos ciganos, salientando como em Portugal a realidade é bastante diferente, apontando que o anticiganismo se normalizou.
Defendeu que antes era um sentimento que “muitas das vezes estava adormecido”, enquanto hoje a realidade traz uma normalização desse sentimento e um “apedrejamento diário que se faz através de um partido político às comunidades ciganas”.
“Já não há vergonha social de colocar todos no mesmo saco e de generalizar. E tem sido muito fácil porque se vai normalizando o anticiganismo no nosso território”, denunciou.
Defendeu, por isso, que se tomem medidas, nomeadamente pela inclusão do anticiganismo no enquadramento jurídico, uma vez que “é um crime” e “uma forma de racismo que está a ser propagada de uma forma muito forte”, que “tem de ser punida”. “Não vamos desistir”, garantiu.