Entre 29 de Setembro e o amanhecer de 30 de Setembro de 2025, quatro espaços islâmicos situados nos concelhos de Lisboa e arredores foram vandalizados. Nas fachadas foram afixados cartazes com o lema «Reconquistar Portugal» e a frase «remigração ou inquisição», segundo entidades religiosas contactadas. O acto foi descoberto ao início da manhã por responsáveis comunitários, mas apenas tornados públicos esta Terça-feira
As mesquitas visadas situam-se na Amadora, Odivelas, no centro de Lisboa e num centro cultural islâmico local. Dirigentes das respectivas comunidades defenderam que se trata de manifestação de ódio religiosa, e contactaram as forças de segurança para investigação.
Investigação avança e receios nas comunidades
As queixas foram apresentadas nas esquadras locais pelos responsáveis das mesquitas da Amadora e de Odivelas e pela Mesquita Central de Lisboa. O Centro Cultural Colinas do Cruzeiro, outro alvo, optou por não formalizar queixa, alegando tratar-se da primeira ocorrência desse género.
As autoridades confirmaram que receberam diligências, mas até ao momento não revelaram avanços públicos na investigação. Não se registaram detenções nem ligações oficiais confirmadas entre o vandalismo e o movimento Reconquista, embora o nome desse grupo figurasse nos cartazes.
Segundo relatos do imã Abdul Azim, da mesquita da Amadora, o acto ocorreu por volta das 23h30 de Segunda-feira. O sistema de vigilância registou apenas uma figura vestida de negro, mas não permitiu identificar claramente o autor.
A descoberta acabou por ocorrer quando os fiéis chegavam, por volta das 6h30, para a oração da alvorada (Fajr). Não há registo de câmaras exteriores nos edifícios, apenas câmaras interiores que não captaram o momento da fixação dos cartazes.
Reacções das comunidades muçulmanas
Um membro de uma das comunidades, que preferiu permanecer anónimo, criticou o teor dos cartazes: «Nem se dirigem a nós; afirmam que somos imigrantes ou devemos escolher entre migração, ou Inquisição, o que revela ignorância».
O imã Azim frisou que muitos fiéis não compreenderam de imediato a conotação ameaçadora do discurso. Realçou que, na Amadora, há partilha cultural entre imigrantes africanos ou do Sudeste Asiático, mas que o crescimento de retórica racista e anti-islâmica suscita apreensão.
Azim lembrou que sua mãe veio jovem para Portugal e que seu pai o seguiu depois. «Sabemos que há discriminação religiosa. Hoje é um cartaz; amanhã, não sabemos o que poderá seguir», afirmou.
A mesquita da Amadora recebe habitualmente entre cinquenta a sessenta pessoas por cada oração diária. Às Sextas-feiras, na oração de meio-dia (Zuhr), congrega cerca de 600 pessoas distribuídas por várias salas.
Quem é o movimento Reconquista
O grupo Reconquista, fundado em 2023, é uma organização ultranacionalista em Portugal. Tem praticado discurso de ódio contra a imigração e antagonismo contra as comunidades muçulmanas.
Embora o nome “Reconquista” surgisse nos cartazes, não existe até ao momento confirmação policial de que o grupo esteja por detrás deste vandalismo.
Em Março de 2025, Afonso Gonçalves, figura central desse movimento, foi detido após invadir um prédio em Lisboa e proferir discurso anti-imigrantes, exibindo cartazes com mensagens de “remigração” e “Portugal aos portugueses”. A PSP interveio, apreendeu microfone e coluna, e identificou os envolvidos.
Ambiente nacional de combate ao extremismo
Em Junho de 2025, a Polícia Judiciária realizou a “Operação Desarme 3D”, que levou à detenção de seis suspeitos do Movimento Armilar Lusitano. Foram apreendidas armas, explosivos e material propagandístico, e alguns dos suspeitos tinham ligações às forças de segurança.
Dessa operação resultou o desmantelamento de um grupo que pretendia funcionar como milícia armada, com discurso de ódio e incitamento à violência, elevando a vigilância sobre movimentos extremistas no país.
Consequências futuras
Este incidente junta-se a outros sinais preocupantes de islamofobia em Portugal, fenómeno que já vinha sendo documentado em estudos académicos e denúncias de comunidades muçulmanas.
A investigação policial prossegue e será determinante apurar quem esteve por detrás desses actos. A comunidade muçulmana exige que os responsáveis sejam punidos e que o Estado reforce mecanismos de protecção para combater discursos de ódio religioso.
Se confirmada a relação com o movimento Reconquista, este caso poderá marcar um ponto de inflexão no combate ao extremismo de direita no país, colocando em causa a segurança simbólica e cidadã das minorias religiosas.