A recente evolução política em Portugal, com o crescimento das forças de direita na Assembleia da República, trouxe consigo uma discussão que, por vezes, tende a ser negligenciada, mas que representa um desafio significativo para a democracia: a possível revisão da Constituição da República Portuguesa. Este tema levanta questões cruciais sobre o equilíbrio político, os direitos fundamentais e as bases do regime democrático estabelecido com a Revolução de Abril de 1974.
A Constituição de 1976, que foi redigida com o intuito de consolidar a democracia, garante direitos, liberdades e garantias essenciais para a cidadania. Qualquer alteração ao texto constitucional deve ser considerada com a máxima cautela, dado que a Constituição não é um instrumento jurídico isolado, mas um reflexo do pacto social que define o Estado democrático de direito em que vivemos.
A possibilidade de revisões constitucionais, especialmente num contexto em que a composição política da Assembleia da República se caracteriza por um predominante alinhamento à direita e uma esquerda enfraquecida, levanta a preocupação de que o debate sobre a Constituição não seja conduzido com o devido equilíbrio. A revisão do texto, sem um consenso abrangente que envolva todas as forças políticas, pode colocar em risco os princípios fundamentais que garantem direitos essenciais aos cidadãos e ao Estado Social.
É importante sublinhar que a revisão da Constituição não deve ser vista como um processo simples de “modernização”, como alguns defendem. Alterações em áreas-chave, como a segurança social, os direitos laborais, a educação ou a saúde pública, podem ter consequências profundas para a sociedade, sobretudo se forem feitas sem o amplo envolvimento da sociedade civil e sem a garantia de que os direitos fundamentais consagrados em 1976 não serão prejudicados.
Num momento de crescente polarização política, em que as forças à direita ganham espaço e as à esquerda se encontram divididas, é imperativo que qualquer revisão constitucional seja tratada com rigor e com um debate plural que envolva todas as partes interessadas. A democracia não se constrói de forma unilateral, e a Constituição deve ser protegida enquanto garante os direitos que constituem a base do Estado de direito em Portugal.
Seja qual for o rumo que esta discussão venha a tomar, o ponto crucial é que, enquanto país, devemos sempre ter em mente a necessidade de preservar o espírito da Revolução de Abril. Qualquer tentativa de revisão constitucional que não respeite o consenso democrático e que não proteja os direitos fundamentais pode significar uma erosão da própria essência do regime democrático, algo que não pode ser encarado de forma leviana.
Assim, é fundamental que a sociedade portuguesa, em conjunto com os responsáveis políticos, mantenha o compromisso de preservar a Constituição tal como ela foi concebida, assegurando que qualquer modificação seja realizada de forma cuidadosa, ponderada e, sobretudo, com um amplo envolvimento da cidadania. A democracia exige vigilância e, acima de tudo, respeito pelos princípios que a fundaram.