O Ministério Público (MP) está a investigar a atuação da Polícia Municipal de Lisboa. A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou esta sexta-feira à agência Lusa a existência de um inquérito em curso, instaurado após a divulgação de reportagens televisivas que suscitaram fortes dúvidas quanto à legalidade das intervenções daquela força policial.
A investigação está a ser conduzida pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, na sequência de denúncias mediáticas sobre agentes da polícia municipal que, fora de serviço e à paisana, foram filmados a deter suspeitos de crimes como a venda ambulante ilegal. O jornal Diário de Notícias avançou que o MP identificou indícios de prática criminal por parte de membros da força policial, cujas ações foram captadas e divulgadas pelo canal de televisão Now.
A Polícia de Segurança Pública (PSP) declarou não ter identificado irregularidades na atuação da Polícia Municipal. No entanto, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) revelou ter recebido 11 queixas relacionadas com essas mesmas reportagens e está a avaliar o comportamento dos jornalistas envolvidos.
Questionada pela agência Lusa sobre a natureza dos crimes em investigação, sobre se há agentes identificados como suspeitos ou se o inquérito envolve também a hierarquia política da câmara, a PGR não prestou esclarecimentos adicionais.
Moedas defende atuação da polícia e propõe alteração legislativa
Confrontado com a abertura do inquérito, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas (PSD), saiu em defesa da Polícia Municipal. Numa declaração escrita enviada à Lusa, Moedas garantiu que esta força atua “sempre de acordo com os princípios da legalidade, da adequação e da proporcionalidade”. Reforçou ainda que estará “sempre do lado da polícia municipal e de todas as forças de segurança”.
Apesar da controvérsia, o autarca voltou a defender uma revisão da legislação que rege as competências das polícias municipais. Em particular, Moedas propôs “uma pequena mudança” na lei para permitir que estes agentes possam deter, de forma direta, suspeitos de crimes em flagrante delito e entregá-los às autoridades competentes, nomeadamente à PSP.
Esta sugestão surgiu em resposta a um parecer recente do Conselho Consultivo da PGR, que concluiu que as polícias municipais não podem ser qualificadas como órgãos de polícia criminal. O parecer afirma que estas forças se limitam a exercer funções administrativas e de segurança interna, ainda que os seus agentes sejam provenientes dos quadros da PSP.
Segundo o mesmo documento, os agentes municipais apenas estão autorizados a deter indivíduos em flagrante delito de crimes públicos ou semi-públicos puníveis com pena de prisão, devendo entregar os detidos imediatamente às autoridades judiciais ou a órgãos de polícia criminal.
Oposição critica Moedas e alerta para riscos reputacionais
A proposta de Moedas para reforçar os poderes da polícia municipal mereceu críticas dos partidos da oposição no executivo camarário. PS, PCP, Livre, BE e Cidadãos Por Lisboa manifestaram preocupação com o desrespeito pela Constituição e pelo parecer da PGR.
O Partido Socialista, maior força da oposição na Câmara de Lisboa, sublinhou que a abertura de um inquérito-crime, bem como a investigação paralela em curso pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), levanta sérias preocupações. Os socialistas alertaram para o impacto reputacional negativo que este caso poderá ter para a autarquia, considerando que a atuação da polícia municipal, conforme retratada nas reportagens, pode configurar abuso de poder ou atuação fora dos limites legais estabelecidos.
Caso gera debate nacional sobre o papel das polícias municipais
Este episódio relança o debate sobre o papel e as competências das polícias municipais em Portugal. Enquanto Carlos Moedas insiste numa maior intervenção destas forças na segurança urbana, especialistas e juristas alertam para os limites constitucionais existentes. O conflito entre a intenção política e o enquadramento legal poderá vir a intensificar-se, especialmente se o inquérito do Ministério Público revelar práticas sistemáticas fora do quadro jurídico.
O país aguarda agora os próximos desenvolvimentos da investigação. O silêncio do MP sobre os detalhes do inquérito mantém o ambiente de incerteza, enquanto aumenta a pressão sobre a liderança da Câmara de Lisboa e sobre a própria legitimidade da atuação da Polícia Municipal no contexto atual.