Autarca lisboeta considera “bastante graves” as falhas técnicas detetadas em vários processos da empresa. Relatório preliminar do GPIAAF aponta irregularidades na instalação de cabos não certificados para transporte de pessoas
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, decidiu não reconduzir a atual administração da Carris, liderada por Pedro Bogas, após ter tido conhecimento das conclusões preliminares do relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) sobre o acidente com o Elevador da Glória.
Fontes próximas do autarca confirmaram à SIC que Moedas considera “bastante graves o conjunto de falhas técnicas detetadas ao longo de vários anos”, envolvendo essencialmente as duas últimas administrações da transportadora municipal. O edil pretende agora “recuperar o mais depressa possível a confiança e a credibilidade da empresa”, garantindo que será nomeada uma nova direção até ao final do mandato autárquico.
Mandato de Bogas chega ao fim
O atual conselho de administração, presidido por Pedro Bogas, foi viabilizado pelo PS em maio de 2022. De acordo com os estatutos da Carris, os mandatos dos órgãos sociais são coincidentes com os mandatos autárquicos, terminando no final deste ano.

Antes de Bogas, a presidência era exercida por Tiago Farias, nomeado em 2016, quando a Câmara de Lisboa assumiu a gestão da empresa ao abrigo de um acordo com o Ministério do Ambiente.
Carris reage e aponta responsabilidades ao passado
Perante as conclusões preliminares do GPIAAF, a Carris reagiu em comunicado, afirmando desconhecer a totalidade da factualidade relativa aos pontos que indicam que o cabo utilizado não estava certificado para transporte de pessoas e que a zona de rutura não permitia inspeção visual sem desmontagem.
A empresa refere ainda que as “alegadas inconformidades” que afetaram o processo de substituição dos cabos ocorreram durante o mandato anterior, e que por isso o atual Conselho de Administração “não tinha conhecimento das desconformidades”.
A transportadora anunciou também a realização de uma auditoria externa independente para apurar todas as causas do acidente.
Erros na aquisição dos cabos
De acordo com o relatório, o processo de compra dos cabos – que não estavam em conformidade com as especificações técnicas exigidas – teve início em março de 2022, ainda antes da tomada de posse de Pedro Bogas. A aquisição foi desencadeada pela Direção de Manutenção do Modo Eléctrico, que detetou a falta de cabos em armazém e solicitou a compra urgente à Direção de Logística e Património.
Contudo, os novos cabos entraram em operação apenas a 20 de dezembro de 2022, já sob a atual administração, e funcionaram durante 601 dias, até 26 de agosto, data do acidente. Um segundo cabo, de idênticas características, entrou em funcionamento em 1 de outubro de 2024 e rompeu 337 dias depois.
Diretor demitido continua em funções
A investigação da RTP revelou ainda que o diretor dos elétricos da Carris, que foi demitido na sequência do acidente, mantém funções no mesmo setor. O GPIAAF concluiu que a instalação de um cabo desadequado esteve na origem do sinistro, resultado de erros de comunicação e especificação técnica durante o processo de compra.
A decisão de Carlos Moedas surge num momento de forte escrutínio público sobre a gestão da Carris e sobre a segurança dos sistemas históricos de transporte de Lisboa. O autarca procura assim marcar uma ruptura com o passado recente, num dossiê que envolve responsabilidades repartidas entre administrações e falhas estruturais na cadeia de decisão técnica da empresa.