A luta pela verdade e pela justiça na Rússia ganhou um novo capítulo com a publicação póstuma das memórias de Alexei Navalny, o mais conhecido opositor do regime de Vladimir Putin. O livro, intitulado Patriot (Patriota), revela a profundidade do sofrimento de um homem que se manteve inabalável nas suas convicções até ao fim, mesmo sabendo que o seu destino estava selado dentro das paredes de uma prisão gélida no Ártico.
Navalny morreu em fevereiro de 2024, aos 47 anos, durante o cumprimento de uma pena de 19 anos de prisão, imposta por acusações que a comunidade internacional sempre denunciou como politicamente motivadas. Nas suas memórias, escritas entre muros de aço e vigilância opressiva, o ativista oferece um relato cru e humano dos seus últimos dias. “Passarei o resto dos meus dias na prisão e morrerei aqui”, anotou com uma clareza fria, consciente da inevitabilidade do seu destino.
Mais do que uma simples reflexão sobre a vida na prisão, Patriot é um testemunho pungente sobre a resistência política. Navalny sabia que nunca voltaria a celebrar um aniversário em liberdade, que não veria os netos crescer, que nunca voltaria a estar presente nas fotografias de família. Mas o amor pela pátria e a luta contra a corrupção que corroía o seu país eram, para ele, mais fortes do que qualquer desejo de segurança ou conforto pessoal.
Navalny descreve com humor sombrio a sua rotina diária, pontuada pela dureza do trabalho prisional e a alienação forçada. “No trabalho fico sete horas sentado diante da máquina de costura num banquinho abaixo da altura do joelho”, relatou, uma descrição que revela a humilhação e o sofrimento físico que fazia parte do seu castigo. No final do dia, ele e os outros prisioneiros eram forçados a sentar-se, imóveis, em frente a um retrato de Putin, numa metáfora cruel do controlo que o líder russo exerceu sobre a sua vida até ao último momento.
Apesar de tudo, Navalny nunca cedeu. Os reclusos perguntavam-lhe repetidamente por que razão tinha regressado à Rússia, sabendo que o esperava a prisão ou algo ainda pior. A resposta era sempre a mesma: “Se as minhas crenças significam alguma coisa, tenho de estar preparado para defendê-las e fazer sacrifícios, se necessário.” Este espírito de sacrifício, uma lealdade inquebrantável às suas ideias, marca o tom do livro e reforça a sua posição como um dos mais corajosos dissidentes do século XXI.
A obra, que será lançada mundialmente a 22 de outubro pela editora Knopf, terá também uma versão em russo, para que o povo do seu país possa ler, nas suas próprias palavras, a história de um homem que nunca desistiu de lutar por uma Rússia livre. O editor da New Yorker, David Remnick, comentou que “é impossível ler o diário de prisão de Navalny sem ficar indignado com a tragédia do seu sofrimento e da sua morte”.
O legado de Alexei Navalny transcende o fim trágico que conheceu dentro da prisão. As suas memórias, longe de serem um mero documento pessoal, erguem-se como um grito de resistência contra a injustiça, um chamado à ação para aqueles que, como ele, recusam entregar a sua pátria nas mãos de mentirosos, ladrões e hipócritas. Mesmo morto, a sua voz continua viva, ecoando como um símbolo de esperança e de coragem numa Rússia que, um dia, poderá finalmente ser livre.