Um grupo de cerca de duas dezenas de cidadãos manifestou-se ontem, em Baião, em oposição à trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional, em Lisboa. A iniciativa, que visou protestar contra a decisão tomada por várias entidades, gerou críticas direcionadas ao presidente da Câmara Municipal, ao ex-autarca socialista José Luís Carneiro e ao Governo.
António Fonseca, porta-voz do movimento de cidadãos que organizou o protesto, tentou justificar a baixa adesão à manifestação com o mau tempo e o receio de muitas pessoas em se manifestarem publicamente. Contudo, reforçou que a oposição não se prende com as honras de Panteão Nacional atribuídas ao escritor, mas com a decisão de retirar os seus restos mortais de Baião, o concelho onde viveu e que é uma referência na sua vida e obra.
Durante a manifestação, Fonseca destacou que a comunidade local está a ser prejudicada culturalmente com a trasladação, considerando-a uma perda irreparável. “Com esta decisão, o concelho sai muito penalizado culturalmente”, afirmou, em frente à sede da Fundação Eça de Queiroz, em Santa Cruz do Douro, onde estava exposta a urna com os restos mortais do escritor.
O porta-voz também fez questão de recordar que o processo legislativo para a trasladação foi iniciado quando José Luís Carneiro ocupava o cargo de presidente da Câmara de Baião. Na altura, afirmou, nunca foi consultado sobre a questão, nem os familiares do escritor foram ouvidos, o que considera uma grande falha no processo. António Fonseca responsabilizou diretamente o ex-autarca socialista por ter dado início à proposta legislativa na Assembleia da República, que culminou na aprovação da trasladação.
Além disso, criticou o atual presidente da Câmara de Baião, Paulo Pereira, por não ter defendido com mais firmeza os interesses culturais do concelho. “Ele deveria pedir desculpa a todos os cidadãos baionenses por aquilo que se está a passar, porque devia ser o primeiro guardião cultural do concelho”, sublinhou.
O movimento também expressou desapontamento em relação à postura da ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, que, durante uma cerimónia de evocação da trasladação realizada no passado sábado, afirmou ser indiferente evocar o legado de Eça de Queiroz em Baião ou em Lisboa. “Eu achava que a senhora ministra da Cultura devia tratar dos problemas do seu ministério e deixar os problemas dos baionenses serem tratados pelos baionenses”, afirmou Fonseca, em tom crítico.
Recentemente, a Assembleia de Freguesia de Baião aprovou uma moção formalmente contrária à trasladação, com os votos favoráveis do PSD e do CDS, e a oposição do PS. Essa deliberação poderá servir de base a uma ação popular para tentar reverter a decisão, caso seja interposta no tribunal.
Na manifestação, também se fez ouvir o deputado do Chega, Raul Melo, que, além de se solidarizar com o movimento, expressou críticas à atuação de José Luís Carneiro. A líder local do PSD, Ana Raquel Azevedo, também marcou presença, sublinhando o caráter agridoce da situação. Embora favorável às honras de Panteão Nacional, lamentou profundamente a retirada dos restos mortais de Eça de Queiroz de Baião, considerando que a localidade sempre foi um ponto de referência para o conhecimento do escritor.
“É aqui, em Baião, que existe uma porta aberta para aqueles que querem conhecer melhor Eça de Queiroz”, observou Azevedo, referindo que a decisão de trasladação reflete uma tendência de centralismo que enfraquece o património cultural da região. “Fica a ideia que era menos digno o Eça repousar aqui”, concluiu, mostrando o seu desagrado com a decisão.