Há dias, o Comandante-em-Chefe da Democracia mais Avançada do Mundo — um cavalheiro cujo cabelo parece ter sido transplantado de um boneco Playmobil afogado em lixívia — decidiu que o maior perigo para a segurança nacional não são os mísseis noruegueses, os crackers russos ou a inflação do Big Mac. Não. O inimigo, garante-nos, está nas fileiras militares: são os soldados que ousaram trocar de pronomes e género sem autorização do Pentágono.
A lógica é tão cristalina quanto o gel para cabelo do ilustre líder: ele, um verdadeiro transcapilar (digamos, um homem que pinta o cabelo de dourado e implanta fios onde a natureza foi avara) pode servir as Forças Armadas, mas um transgénero — esse ser místico que troca de género como troco de camisa — é uma ameaça à “disciplina”. Pergunta-se: será a próstata de um soldado mais letal se estiver alojada num corpo que outrora teve útero? A ciência cala-se. A moral, essa, grita através de tweets em letra grande.
Se a premissa é salvar a pátria de inimigos internos, sigamos a cartilha até ao fim. Proponho, pois, um Exército de Modelos de Catálogo da Ikea: todos com altura entre 1,80m e 1,85m, sem tatuagens, calvície ou sardas. Proíbam-se os canhotos (a mão esquerda é um risco à simetria), os que têm pé chato (incapazes de marchar em linha recta) e os alérgicos a glúten (uma bala de trigo pode derrubá-los).
Não é ficção. Em 2023, a Arábia Saudita — farol moral do Ocidente — celebrou um acordo para normalizar relações com Israel, desde que os EUA lhes vendessem mísseis e apoiassem o bombardeamento de civis no Iémen. Coerência? Um conceito tão obsoleto quanto a poupança reformista. Enquanto isso, o mesmo país decapita homossexuais em estádios cheios, um espectáculo que faria o Comandante-em-Chefe corar de inveja. Ou de saudade.
Eis a revelação que nem a Fox News ousou transmitir: o verdadeiro perigo não está nos corpos que mudam, mas nas mentes que emperram. Enquanto o Faraó do Bronzeado se entretém a legislar sobre genitálias alheias, a Rússia e a China treinam soldados que — pasme-se! — até podem ser gagos ou usar óculos. O absurdo atinge o clímax quando descobrimos que o tal herói louro já teve mais plástica que a Vénus de Milo e, no entanto, insiste em ditar padrões de “autenticidade”.
A esperança — frágil como um NFT — reside num detalhe: toda a farsa acaba quando o palco desaba. Resta saber se, antes de a banheira de laca explodir, o Comandante aprenderá árabe para se juntar aos seus pares sauditas, onde a homogeneidade é lei e a diversidade, uma decapitação ao pôr-do-sol.
Defender a pátria exige, acima de tudo, que o soldado seja um boneco de cera: imutável, pré-fabricado, incapaz de questionar ordens. Mas se a História nos ensina algo, é que os exércitos mais temíveis foram os que abraçaram a diferença — dos berserkers nórdicos às gueixas samurais. Enquanto isso, o Salvador da América prepara-se para a batalha final: uma guerra contra espelhos, onde o único inimigo é o seu próprio reflexo. E nessa, já perdemos todos.