Num momento considerado crítico para a estabilidade internacional, os 32 países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) acordaram esta quarta-feira, em Haia, aumentar de forma significativa o seu esforço financeiro na área da Defesa. O compromisso, acordado pelos chefes de Estado e de Governo presentes na cimeira, prevê a aplicação de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país em investimento militar até 2035 — uma meta sem precedentes desde a fundação da aliança em 1949
De 2% a 5%: uma nova era para a NATO
Até aqui, o patamar de referência era de 2% do PIB, definido em 2014 na cimeira de Gales e reforçado em cimeiras seguintes, mas raramente atingido por todos os membros. Agora, o salto para os 5% sinaliza uma mudança de paradigma na resposta da NATO aos desafios estratégicos que se avolumam, desde a invasão russa da Ucrânia em 2022 até ao aumento da influência militar da China e da instabilidade no Médio Oriente e em África.
Segundo a declaração oficial, a medida visa responder a “profundas ameaças de segurança e desafios”, com destaque para “a ameaça a longo prazo apresentada pela Rússia à segurança euro-atlântica e a persistente ameaça do terrorismo”. O documento estabelece também que o aumento orçamental será repartido: 3,5% deverão ser investidos diretamente em capacidades militares e 1,5% em infraestruturas críticas com potencial uso militar, como aeroportos, ferrovias e redes viárias.
Revisão em 2029 e aposta na indústria de defesa
A cimeira definiu ainda que este compromisso será reavaliado em 2029, tendo em conta o cenário geoestratégico global e as capacidades militares desenvolvidas até então.
Paralelamente, os aliados comprometeram-se a aprofundar a cooperação industrial de Defesa, com a remoção de barreiras comerciais e a integração de tecnologia emergente nas cadeias de produção militar. “Vamos alavancar as nossas parcerias para promover a cooperação industrial de Defesa e impulsionar a inovação”, referiu o secretário-geral Mark Rutte, sublinhando a necessidade de maior autonomia europeia no setor.
Portugal: mil milhões já em 2025 e antecipação de metas
À margem da cimeira, o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, anunciou que Portugal irá reforçar a área da Defesa com cerca de mil milhões de euros até ao final de 2025. Este investimento abrangerá aquisição de equipamentos, renovação de infraestruturas e valorização dos recursos humanos das Forças Armadas.

“É um esforço que só é possível graças ao equilíbrio das finanças públicas”, garantiu Montenegro, acrescentando que não será necessário aprovar um orçamento retificativo, pois “há disponibilidade orçamental no Ministério das Finanças”.
O Governo português está também a acelerar a execução da Lei de Programação Militar e a estabelecer contactos comerciais com fornecedores estratégicos. “Estamos no terreno. As respostas não são imediatas, mas estamos a agir”, reforçou o primeiro-ministro.
Portugal participou nas negociações que levaram à definição do horizonte de 2035 como meta para os 5% — em vez de 2030, como inicialmente proposto — considerando o impacto económico diferenciado entre os Estados-membros.
Trump elogiado: “Merece todo o mérito”
Num dos momentos mais surpreendentes da cimeira, o novo secretário-geral da NATO, Mark Rutte, atribuiu ao ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, “todo o mérito” pelo aumento do investimento militar, rejeitando a leitura de que esse reconhecimento seja sinal de submissão à sua retórica.
“Ele forçou-nos a agir. Está a fazer com que todos invistam mais. Teríamos chegado a este ponto sem ele? Duvido”, afirmou Rutte, que destacou também a atuação de Trump no que diz respeito ao Irão: “Impediu o avanço do programa nuclear iraniano. Isso não pode ser ignorado.”
As palavras de Rutte suscitaram reações mistas. Enquanto alguns analistas elogiaram a franqueza do secretário-geral, outros consideraram que se tratou de uma manobra de apaziguamento diplomático, tendo em vista o eventual regresso de Trump à presidência dos EUA após as eleições de novembro.
Ucrânia continua a ser prioridade — mas sem destaque de primeira linha
Apesar de ocupar menos espaço na declaração final, o apoio à Ucrânia continua a ser considerado central. Os aliados reafirmaram o compromisso de manter “contribuições diretas para a Defesa ucraniana e para a sua indústria de Defesa” enquanto o país se mantiver sob ameaça militar do Kremlin. Estes apoios contarão para o cômputo dos 5% do PIB em despesas de Defesa.
A NATO sublinhou ainda que continua a apoiar a soberania da Ucrânia e o seu direito à autodeterminação, embora sem anunciar prazos concretos para eventual adesão à Aliança.
Críticas e desafios pela frente
Economistas e comentadores alertam para os desafios internos que a nova meta pode representar, sobretudo para países com dificuldades estruturais ou pressões sociais significativas. A necessidade de conciliar aumento de despesas militares com investimento em saúde, educação e transição energética será, segundo muitos, um dos principais testes políticos para os governos europeus nos próximos anos.
Além disso, a meta de 5% poderá relançar o debate sobre a militarização excessiva da política externa ocidental e o equilíbrio entre dissuasão e diplomacia.
A decisão da NATO marca uma viragem histórica na política de defesa do espaço euro-atlântico, num momento de incerteza e tensões renovadas no sistema internacional. Resta saber se todos os aliados conseguirão cumprir este objetivo sem comprometer outras áreas essenciais — e se a aposta no músculo militar será acompanhada por estratégias diplomáticas à altura dos tempos.