Não há lixívia, nem sabão azul ou de potássio, nem qualquer espécie de palha d’aço, desinfetante, detergente ou desbravadora que seja capaz de raspar, lavar e polir as línguas viperinas e maldizentes. Semeiam ventos e tempestades, brindam a ver os outros sofrer pelo mal que lhes fazem. Destroem pessoas e famílias, minam ambientes e sociedades. Com o Salmista rezamos assim: “Livrai-me, Senhor, da gente perversa, defendei-me do homem violento: daqueles que em seu coração maquinam o mal e todos os dias fomentam discórdias; afiam a sua língua como serpentes e sob os lábios escondem veneno de víboras” (Sl 139, 2-4).
O Papa Francisco tem falado muitas vezes do “cancro diabólico” da maledicência, o qual tem levado muitos cristãos ao martírio por causa de “falsos testemunhos”. Diz ele que esse ‘cancro diabólico’, que surge do desejo de destruir a reputação de uma pessoa, também ataca o resto do corpo eclesial e danifica-o seriamente quando, por interesses mesquinhos ou para encobrir os seus próprios falhanços, há uma maquinação para difamar alguém”. O “pior joio” é o da “intriga e do mexerico”. Esse é o caminho da luta suja e mesquinha, o que diminui a imagem do outro para enaltecer a sua. São Francisco de Sales escreveu assim: “Três vidas diferentes temos nós: a vida espiritual, que a graça divina nos confere; a vida corporal, de que a alma é o princípio; e a vida social, que repousa os seus fundamentos na boa reputação. O pecado faz-nos perder a primeira, a morte tira-nos a segunda e a maledicência leva-nos a terceira”.
Muitas vezes e de muitos modos, em circunstâncias diversas e diversos estados de espírito, talvez mais afetado pelo que ouve e lê ou mais determinado pelo seu dever de pastor, Francisco não se tem poupado em denunciar tais atitudes demolidoras. E se, ao longo da história, a maledicência levou muitos ao martírio, hoje, se pessoas há que são vítimas disso mesmo, é ele próprio, o Papa Francisco, a quem denunciam de antipapa, herege, lobo com pele de ovelha, alguém que não ocupa validamente o cargo papal, que não está em conformidade com a fé católica… uf!… sossega-nos saber que o que prova de mais não prova nada, provará, isso sim, é contra tais provadores.
Não sei se conseguem dormir, só sei que não têm parado nestes seus esforços. Fazem chegar cartas, emails e relatórios especiais sobre o estado da Igreja após a morte de Bento XVI, buscando ditos em autores de vários rios e mares plasticamente poluídos. Esta é a minha perceção, assim hoje se diz. Até indicam a direção do país para onde se podem pedir tais relatórios. Querendo ser fazedores de opinião e, talvez, fomentar pressão na eleição dum novo Papa, eles sabem muito bem que, sem lenha, qualquer fogo se apaga, que sem difamadores a briga se acaba (cf. Prov. 26, 20). Nem agora que Francisco está entre a vida e a morte, põem de lado tal pequenez, manifestando assim uma estranha forma de viver a fé, estranha forma de pôr em prática o mandamento novo que diz que “por este sinal vos hão de conhecer, se vos amardes uns aos outros como Eu vos amei” (cf. Jo 13, 34). É um sinal de quão incómodo e difícil se lhes torna a integração nesta caminhada de renovação eclesial, em fidelidade a Cristo e à sua Igreja, com Pedro, sob Pedro, em comunhão!
Da discussão nasce a luz, costuma dizer-se. É bom que se discuta e se escavem argumentos para manter a discussão, com nível. Há ideias que surgem e se estranham, sacodem, fogem ao curial, provocam o pensamento tido como intocável, incitam ao debate e ao discernimento, e bem. Muitas dessas ideias, as que devem ser acolhidas e entranhadas, logo se acolhem e se vão entranhando. Não para descer da cruz e agradar à populaça – Jesus não o fez, a Igreja não o pode fazer – mas pelo discernimento no Espírito, com humildade e verdade, mesmo que, tantas vezes, seja lenta a sua receção prática. As ideias combatem-se, as pessoas amam-se. Infelizmente, nem sempre é o que acontece, mas a Quaresma pode ajudar nessa tarefa.
Bem hajam aqueles que, com delicadeza e espírito de colaboração, manifestam a sua discordância quando discordam e puxam por razões que possam ajudar a melhor esclarecer e discernir. Sabendo nós que a maior e mais importante de todas é a Boa Nova, dizia assim António Aleixo:
‘Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande,
Façam das mil pequeninas
Uma só doutrina grande’.