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O despertador da História em segunda mão

Dizem os manuais populares que “deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer”, como se a humanidade fosse um frango de aviário a precisar de vitamina D. Ora, se fosse assim tão simples, o Serviço Nacional de Saúde já teria substituído os médicos por despertadores de cabeceira, e os palestinos, pelo andar da carruagem, já ultrapassaram a estatura do próprio Golias, com direito a medidas bíblicas. O problema é que a tal máxima soa hoje a piada cruel: são tantos os que dormem no chão que se erguer cedo é apenas a tradução literal de fugir às bombas.

A insónia olímpica das nações

A Palestina tornou-se a academia mundial da ginástica involuntária: saltos em comprimento para escapar ao míssil, flexões para se esconder atrás da parede que já não existe, corridas de estafetas com a mala de plástico onde cabem todas as memórias familiares. Enquanto isso, os manuais de saúde continuam a recomendar oito horas de sono como se fosse possível dormir no meio de sirenes, drones e funerais diários. Crescer, crescem, sim: em número de órfãos, em estatísticas de mortos, em páginas de relatórios da ONU que ninguém lê.

 

Os milagres da medicina de pólvora

O povo diz que a guerra emagrece, mas os palestinos provam o contrário: estão a engordar em músculo de resistência, em altura de desespero, em robustez de tragédia. A saúde que lhes sobra é a de quem não tem alternativa senão viver um dia mais, por muito tóxico que seja o ar. Os comprimidos são de fumo, as vacinas são estilhaços, e a única receita médica que recebem chama-se embargo. Mas atenção: tudo isto é para seu bem, porque o mundo civilizado garante que a paz está “em estudo”, como quem promete um regime para depois do Natal.

Academia de crescimento em escombros

Nunca a infância foi tão rapidamente convertida em gigantismo, e nunca as escolas foram tão eficazes em ensinar matemática: hoje uma criança aprende a somar cadáveres antes de saber multiplicar flores. Crescer é, portanto, um acto instantâneo, como as sopas de pacote: basta sobreviver ao primeiro ataque aéreo e já se tem um doutoramento em maturidade. A saúde, essa, mede-se pela capacidade de chorar em silêncio para não atrair drones curiosos, o que, convenhamos, é uma disciplina olímpica de alto rendimento.

A lógica surreal do provérbio cumprido

Se é verdade que deitar cedo dá saúde, então os palestinos são o povo mais saudável do planeta, com músculos invisíveis feitos de privações e ossos de aço temperados a estilhaços. E se erguer cedo faz crescer, eles já não são pequenos povos, mas colossos do absurdo, gigantes de um épico que não pediram para interpretar. A ironia final é que esta fórmula mágica do provérbio funciona apenas quando o mundo fecha os olhos e dorme tranquilo, porque, afinal, é muito mais fácil acreditar em máximas populares do que encarar a insónia colectiva da humanidade.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Editor Executivo. Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

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