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O Evangelho Segundo Ronald e Pikachu

O desfile fúnebre do hambúrguer órfão

No Japão, fim-de-semana passado, os passeios em frente ao  McDonald’s pareciam um campo de refugiados alimentares: fileiras de Happy Meals intocados, abandonados como filhos ilegítimos de um palhaço de fast food e uma fritadeira em menopausa. Tudo por causa de uma edição limitada de cartas de Pokémon, que transformou cidadãos respeitáveis em coleccionadores psicopatas com cartão de fidelidade. Os hamburgueres, pobres coitados, morreram jovens, sem nunca conhecer a boca para a qual foram moldados.

Cromos, cromos, cromos… e zero proteínas

A promoção durou poucas horas, colapsando mais depressa que a carreira de uma boy band coreana depois do segundo álbum. Clientes compraram montanhas de menus só para ter acesso aos sagrados rectângulos plastificados — imagens de ratos eléctricos e tartarugas mutantes com mais valor no mercado negro que um fígado saudável em Pequim. A comida, claro, foi descartada. Nem sequer serviu de almofada para dormir no metro. Só faltou a UNICEF declarar aquilo “catástrofe nutricional”.

Quando a papelaria era o Vaticano do miúdo de bairro

E a culpa, dizem, é do fim das papelarias, tabacarias e bancas de rua, que eram verdadeiras catedrais de cultura popular. Antes, as pessoas corriam a estas lojas como se o Santo Graal chegasse às terças, quintas e Sábados — com direito a carteirinhas, quadradinhos e aquela conversa de balcão que cheirava a jornal e a rebuçados Ranhoso & Filhos. Agora, resta-lhes pagar com euros o que antes se pagava com moedas e imaginação.

A dieta do coleccionador suicida

Aceito que ao fim do terceiro dia a comer carne processada com batata processada, até o Dalai Lama trocaria a paz mundial por um prato de caldo verde. Hoje, os miúdos e os adultos que se acham miúdos querem só os cromos, as cartas, os quadradinhos — esses, em vias de extinção como o fax e o pudor. As papelarias sobreviventes vivem de raspadinhas, tabaco e do “Correio da Manhã”, essa bíblia apocalíptica que nos prova, dia após dia, que a realidade pode sempre perder para a ficção.

Hambúrguer, a nova moeda internacional

O desaparecimento das papelarias é a morte lenta de uma das mais belas jóias urbanas desde o século XIX. A colecção era um acto de comunidade; agora é um tráfico solitário de cromos com cheiro a gordura rançosa. Imagino um futuro no qual o Banco Mundial aceite “Menus Happy Meal lacrados” como moeda de reserva, enquanto as Nações Unidas tentam impedir guerras motivadas por uma carta holográfica do Pikachu com chapéu de cowboy.

O epitáfio com ketchup

É a vida, dizem. Mas se isto é vida, é a versão “Happy Meal do Apocalipse”: menos vitaminas, mais colesterol e cromos que valem mais que o almoço. A próxima promoção? Aposto em cartas coleccionáveis do “Correio da Manhã” com capa autografada pelo criminoso da semana. E, claro, um hambúrguer intocado para manter a tradição do desperdício — porque, no fim, a fome é só um problema de gente que não colecciona nada.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Editor Executivo. Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

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