Diz-se para aí que o Bloco de Esquerda vai desaparecer, como se fosse uma relíquia arqueológica que alguém esqueceu de desenterrar antes que a areia do tempo a engolisse de vez. A jovem Mariana Mortágua, com a ousadia de quem pisa um palco sem ensaiar, hipotecou o futuro da coisa, adornou o partido com promessas de dança dos navios, e agora, ao que parece, é que vão ser elas. Mas agora?
Como se o naufrágio tivesse começado apenas ontem, e não naquela plácida tarde no teatro A Barraca, onde, por capricho do destino, estava alguém sentado a um cantinho, caderno na mão, a reportar o espectáculo tragicómico que ali se desenrolava, com a graça de um circo onde os palhaços discutem o sentido da vida.
O Grande Baile das Ideias Mortas
Fervilha a discussão ideológica, como uma panela de sopa esquecida no lume, onde cada ingrediente reclama ser o mais saboroso. À frente, o peremptório PSR, Louçã em punho, brandindo teses como quem empunha uma espada num duelo de sombras. Nos camarotes, Mário Tomé, da UDP, observa com o desdém de quem já viu este filme e sabe que o final é sempre o mesmo: um fade to black com aplausos tímidos. Vozes roucas de Rosas, Fazenda, Ivan o Terrível, e os restos mortais de Tengarrinha – que, coitado, já tinha sido morto outra vez, e outra, e outra, numa ressurreição tão insistente que ficaria até Lázaro com inveja.
E no meio disto tudo, Miguel Portas insurge-se, fala da plateia para a mesa, a mesa responde à mesa, a mesa fala com Portas, e Ivan, num canto, grita apartes como quem atira pedras a um lago já turvo. Espontâneos ora o mandam calar, ora se riem, num caos que promete revolução, mas entrega apenas uma anedota.
Zun-Zuns e o Evangelho Segundo Ivan
Zun-zuns maledicentes percorrem a sala, como vespas numa tarde de Verão, picando ouvidos com mentiras ululantes: «Isto foi tudo pago pelo PSD», diziam, numa piada tão absurda que só podia ter saído da mente de Ivan, o eterno ‘contrarianista’, que, como na boa anedota do alentejano, “só lá foi para dizer que não ia”. A sala, esse microcosmos de egos e utopias, vibrava com a energia de quem acredita que gritar mais alto transforma sonhos em realidade. O Major, perdido no meio da confusão, já nem sabia onde se metera, talvez sonhando com uma ‘revolucioneta’ que nunca chegou a sair do papel. E assim, entre sussurros e gritos, a verdade tornava-se um mito, e o mito, uma farsa, enquanto o público assistia, boquiaberto, à génese de algo que ninguém sabia bem o que era.
A Poção Mágica do Druida Panoramix
Por poção mágica do druida Panoramix, lá sai da torneira, em cores de arco-íris, o Bloco de Esquerda, um cocktail ideológico servido com gelo e uma rodela de utopia. Mas agora, anos volvidos, pergunta-se: é bloco, é esquerda, ou é apenas um eco preso numa garrafa que ninguém se atreve a abrir? A dança dos navios, tão celebrada, parece mais um naufrágio em câmara lenta, com cada marinheiro a remar para seu lado, enquanto o leme, coitado, gira sozinho. E no entanto, ali estava a promessa de um arco-íris, tão brilhante quanto fugaz, que agora se desvanece sob o peso de reuniões intermináveis e manifestos que ninguém lê. A sala d’A Barraca, outrora palco de sonhos, é hoje um museu de nostalgias, onde as vozes roucas ainda ecoam, mas já não convencem.
O Epitáfio do Sonho Colorido
E assim, o Bloco de Esquerda, essa quimera de punhos erguidos e bandeiras desbotadas, enfrenta o seu ocaso, como um actor que esqueceu as falas no último acto. Enquanto os zun-zuns continuam a voar, e Ivan, algures, ri da sua própria piada, a esquerda reinventa-se, ou desinventa-se, num ciclo de ‘revolucionices’ que mais parecem coreografias de um baile onde ninguém sabe dançar. No fim, resta a ironia suprema: o arco-íris, que prometia todas as cores, dissolve-se num cinzento burocrático, deixando somente a memória de uma tarde em que o futuro parecia possível, mas acabou afogado numa torneira mal fechada.








