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O Glorioso Funeral do Elevador

Depois da tragédia com o elevador da Glória, na passada Quarta-feira, toda a gente tem dedos de sobra para apontar uns aos outros. Os dedos, aliás, parecem multiplicar-se como cogumelos radioactivos: um milagre mecânico só comparável à multiplicação de tachos em ano eleitoral. Os partidos, assombrados pelas autárquicas bem próximas, culpam-se todos, com a mesma convicção com que um pirómano acusa o fósforo de incendiar florestas.

Os “especialistas” culpam o sistema, esse Frankenstein de papel timbrado que ninguém sabe onde mora, mas que assina todas as culpas como notário celestial. O sistema, educado e rancoroso, devolve a bofetada acusando a ciência, como se Newton tivesse rebentado os cabos ou Einstein tivesse calculado mal o andar. A ciência, que não tem sindicato, fica calada e deixa que o elevador desça sozinho até ao rés-do-chão metafísico.

O tribunal dos cabos invisíveis

A conclusão é a de que ninguém sabe do que fala, mas todos falam como se lessem manuais de engenharia editados pela “Tipografia Apocalipse Lda.”. A discussão pública tornou-se um karaoke de incompetências, em que cada um canta desafinado, mas exige palmas e encore. É como assistir a uma ópera de Verdi interpretada por cabras: trágico, mas com leite.

Os partidos, em pânico pré-autárquico, aproveitam para transformar os carris da Glória numa passadeira eleitoral. Há quem prometa substituí-los por linhas de alta velocidade e quem jure instalar airbags nos bancos de madeira, porque segurança é uma palavra que dá votos, mesmo que signifique acolchoar o absurdo. Na falta de soluções, sobra sempre um cartaz colorido e um slogan tão vazio como o bilhete da carreira.

Entretanto, os especialistas televisivos, com doutoramentos conferidos pela Universidade de “Café Central”, declaram que a tragédia era inevitável, excepto se tivesse sido evitada. Um disse que faltou manutenção; outro disse que sobrou gravidade; e todos concordaram que o melhor é estudar um relatório que nunca sairá da gaveta. O verdadeiro milagre será quando um destes senhores disser algo que não seja reciclado da bula de um laxante.

O sistema, esse buraco negro em fato e gravata

O sistema, omnipresente e irresponsável, reage com a serenidade de quem nunca andou de elevador em toda a sua vida. Se alguém morre, é culpa da ciência; se alguém vive, é graças ao Sistema; e se alguém fica preso entre dois andares, é porque faltou fé patriótica. O sistema é como Deus, mas sem Bíblia, apenas com anexos.

A ciência, pobre senhora, é convocada para o tribunal como arguida habitual: “Por que razão a corda partiu?”, perguntam-lhe os políticos, de dedo em riste. Ela responde em fórmulas, mas ninguém quer ouvir: preferem culpá-la por não prever o óbvio, como se fosse função da física vigiar autárquicas e apertar parafusos. No fim, a ciência sai do banco dos réus e volta para o laboratório, onde ninguém a consulta até à próxima tragédia.

O epitáfio glorioso

No meio de tanta acusação cruzada, o elevador da Glória, esse defunto mecânico, é o único inocente. Morreu ao serviço, transportando gente entre dois mundos: o da promessa e o da queda. E, como todos os heróis nacionais, será lembrado apenas até ao próximo escândalo — ou até ao dia em que alguém tropeçar numa passadeira mal pintada. Ironia final: para subir a Glória, agora, só resta o esforço das pernas, esse mecanismo arcaico que, por enquanto, ainda não depende de concursos públicos.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Editor Executivo. Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

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