“O que é isto? Não acredito”, exclamou María Corina Machado, sem saber se chorava de emoção ou de susto, ao saber que Oslo lhe dera o Prémio Nobel da Paz. Uma venezuelana escondida na Venezuela, a quem o comité resolveu dar a distinção por “promover direitos democráticos e lutar pela transição pacífica da ditadura para a democracia”. Um gesto tão simbólico como dar uma medalha a um náufrago por nadar. Machado, que vive a fugir de Maduro, foi agora apanhada pela Suécia – e sem colete. O mundo inteiro aplaude a coragem da senhora, esquecendo-se de que, por estas bandas, quem ganha prémios por lutar contra ditadores raramente vive o suficiente para agradecer.
O SONHO AMERICANO EM ESPANHOL DE CARACAS
O Pardo Donald Trump, esse, deve ter engolido o seu próprio bronzeado ao saber que perdeu o “seu” Nobel da Paz para uma mulher de Caracas. Há quem diga que ele já escrevera o discurso de aceitação: “Eu trouxe paz ao mundo, mesmo quando o mundo não queria”. Infelizmente, Oslo decidiu que a paz ficava melhor em espanhol, ainda que com sotaque de conspiração. A activista venezuelana ganhou por lutar contra Maduro, um homem que jura ter conversado com o espírito de Hugo Chávez, que lhe apareceu sob a forma de um passarinho. O que confirma que na Venezuela até as aves têm ideologia, e que o ornitólogo médio deve andar em pânico com tanta aparição militante.
A REPÚBLICA DOS PASSARINHOS FALANTES
Maduro, o discípulo alado do chavismo, recebeu a notícia do Nobel como quem vê um anjo armado com microfone. O homem que se diz protegido por espíritos revolucionários não podia admitir que uma mortal lhe roube o protagonismo. Diz-se que, ao ouvir a notícia, tentou comunicar com o falecido Chávez por via de um periquito – o que, convenhamos, é uma linha directa mais barata que o telefone de emergência da ONU. No entanto, os deuses da ironia decidiram que a nova heroína da liberdade venezuelana seria uma mulher financiada pelos mesmos Estados Unidos que tanto adoram vender democracia em frascos de napalm.
GUAI-DÓ OU GUAI-NÃO?
Trump, que se crê messias de terno e gravata, considera a oposição a Maduro fraca e de maus costumes. Já houve palhaçada suficiente quando um certo Guaidó se autoproclamou Presidente, com direito a palminhas das potências ocidentais. Foi um Carnaval diplomático digno de telenovela, com ministros europeus a gritar “Viva o novo líder!” enquanto o homem, sem exército, sem território e sem jeito, discursava em varandas emprestadas. Hoje, Guaidó passeia pela Europa a dizer que é “Rei das Berlengas”, porque ninguém o reconhece mais nem como turista. E é neste teatro de bonecos que surge Corina, coroada pelos mesmos que antes puxaram os cordelinhos errados.
O BURGUÊS DAS GUERRAS IMAGINÁRIAS
Trump, que vende casas como quem vende indulgências, ainda acredita que o Nobel da Paz lhe pertence por direito hereditário. O problema é que o ex-presidente não percebe que não é Obama, nem sequer um actor de filmes de acção baratos. Quando tenta acabar com guerras, começa outras; quando tenta começar uma, declara vitória antecipada. Recentemente, entre uma ronda de golfe e outra de ego, ordenou o bombardeamento de barcos venezuelanos com ligações ao tráfico de droga – um gesto nobre, se não fosse ele próprio um traficante de palavras, sempre adulteradas com pólvora. Ironia das ironias: é justamente a Corina financiada pelos “States” quem lhe rouba a medalha.
A MÁQUINA DE ILUSÕES NÓRDCAS
O Comité Nobel, essa assembleia de vikings aposentados, continua a confundir pacifismo com teimosia. Premiar Corina Machado é como dar um Óscar de melhor comédia a um funeral: há talento, mas a ocasião é duvidosa. Talvez o júri tenha querido compensar o erro de outrora, quando entregou o prémio a Obama antes que ele fizesse algo. Agora, decidiram dá-lo a alguém que ainda não pôde fazer nada. É uma espécie de “adiantamento de boa fé”, como se a paz fosse um empréstimo bancário. E, se tudo correr mal, sempre podem alegar que foi culpa do periquito de Chávez.
A CONCLUSÃO DO IMPROVÁVEL
No fim de contas, o Nobel da Paz é apenas um concurso de simpatia mundial, onde o vencedor é o que parece menos perigoso na fotografia. María Corina Machado tornou-se símbolo da resistência, Trump o meme eterno da arrogância, e Maduro o fantasma emplumado do absurdo. Oslo, entretanto, segue a distribuir prémios como quem joga bingo com a História. Talvez, um dia, o prémio vá parar a um pombo que sobreviva ao discurso de um ditador. Até lá, brindemos à Paz — esse conceito tão raro que, quando aparece, logo suspeitamos de falsificação.