Sábado,Outubro 11, 2025
15.6 C
Castelo Branco

- Publicidade -

O silêncio pedagógico do abismo

Os professores em Portugal desistiram de aprender, o que é, convenhamos, um feito pedagógico notável. No país onde a curiosidade é vista como uma doença infantil que se cura com testes de escolha múltipla, ensinar História ou Português tornou-se um ritual de tédio com batina burocrática. Hoje, o professor entra na sala com o mesmo entusiasmo com que um réu entra na prisão — a diferença é que o réu, ao menos, pode apelar. O manual do professor é a sua Bíblia apócrifa: gratuito, simplificado e inodoro, como uma sopa servida numa cantina de almas cansadas

A missa dos PowerPoints

Os antigos acetatos, esses fósseis transparentes do pensamento, foram substituídos pelos PowerPoints — uma espécie de narcótico visual para a geração que acredita que o saber cabe num “slide”. O professor limita-se a clicar e a ler, num transe digno de um teleponto eclesiástico. A aula é um ritual de hipnose colectiva, e quem ousa perguntar o que é a Arábia Feliz é imediatamente excomungado por heresia intelectual. Ninguém quer saber de Luiz Pacheco, Al Berto, ou António Franco Alexandre, porque o programa não tem espaço para quem não rime com o Excel. E é assim que se fabrica o futuro: com moldes gastos e massa sem fermento.

O catecismo da mediocridade

Os manuais escolares continuam a cheirar ao Estado Novo, como se Salazar ainda ditasse os programas entre um copo de leite e uma oração. O espírito da Educação Cívica resume-se a decorar artigos de lei que ninguém pratica e a repetir, em coro, as virtudes da cidadania obediente. Ensinar ciência social é agora uma forma de manter a sociedade imóvel. A única revolução permitida é a dos parágrafos. E a crítica, essa arma de destruição maciça da ignorância, foi substituída pela mais moderna das inércias: o conformismo.

A síndrome de Lúcifer na cantina escolar

Os professores queixam-se dos alunos como se fossem encarnações de Lúcifer, prontos a devorar as almas puras da docência. É uma narrativa cómoda — a de que o Diabo entrou no ensino público e roubou a autoridade divina das aulas. Mas talvez o verdadeiro pacto demoníaco tenha sido feito quando se trocou a paixão pela segurança do subsídio. O professor cansado tornou-se o sacerdote do conformismo, que amaldiçoa a curiosidade porque já a esqueceu. E o aluno, esse rebelde inconsciente, limita-se a cumprir o papel do herege útil: o bode expiatório de um sistema falido.

Academia de Polícia do Conhecimento

Ensinar, outrora uma paixão de partilha, converteu-se numa paródia institucional, mais próxima de um episódio dos filmes “Academia de Polícia” do que de uma lição de vida. O professor, fardado de projectores digitais e protegido pelo escudo do manual, desfaz cidadãos sem querer — por preguiça ‘royal’, sim, mas também por medo. Medo de saber menos que o aluno, medo de sair do script, medo de pensar em voz alta. É o medo que hoje ministra as aulas, com uma régua invisível a medir o silêncio. A criatividade morreu no quadro negro, e o giz, coitado, já pede reforma.

O elogio fúnebre da curiosidade

A escola portuguesa é um cemitério de perguntas. As campas alinham-se por ordem alfabética: “Quem foi?”, “Porquê?”, “Para quê?”. No túmulo da curiosidade, alguém plantou uma flor de plástico chamada “competência pedagógica”. Os professores são os jardineiros desse luto contínuo, regando o desinteresse com planificações e relatórios trimestrais. E quando algum aluno tenta ressuscitar o pensamento crítico, logo lhe lançam a pá da disciplina. É preciso manter a paz dos mortos — afinal, o barulho das ideias é insuportável para quem desistiu de as ter.

Epílogo em forma de exame final

Portugal orgulha-se do seu sistema educativo, o mesmo que forma cidadãos incapazes de distinguir Mário Zambujal de um detergente ecológico. As escolas transformaram-se em fábricas de analfabetos funcionais, orientadas por operários que já não lêem o manual — somente o seguem. A educação tornou-se um teatro com o cenário colado à parede e os actores sem texto. E, no fim, quando o ministro anuncia “resultados promissores”, todos aplaudem com entusiasmo funerário. É o som do enterro do pensamento. E, curiosamente, ninguém reparou que o coveiro foi o próprio professor.

- Publicidade -

Não perca esta e outras novidades! Subscreva a nossa newsletter e receba as notícias mais importantes da semana, nacionais e internacionais, diretamente no seu email. Fique sempre informado!

Partilhe nas redes sociais:
Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Editor Executivo. Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

Destaques

- Publicidade -

Artigos do autor